Pesquisar este blog

Generalidades com Especificidade

Generalidades com Especificidade

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Bem Chegado - Bixo da Sêda


Bem chegado,
na boca do amanhecer,
nem um toque,
pra não se arrepender.

Segue em frente,
na força bruta da expressão,
dia a dia,
e a dose repetida na mão.

Tá no cheiro, na forma e no som.
Sabe ser ou simplesmente ser.
Nada melhor, que teu calor,
o teu calor.

A grande razão de ficar solto
sob a luz do sol.
Rei dos sonhos, malandro pague a decisão.
Tudo ou nada e a vida rola pelo chão

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A Kokota


No auge da onda disco music que assolou o planeta em meados dos anos setenta, embalados por filmes como: Saturday night fever, Grease e outros, a juventude de Guaiba se esbaldava nos poucos clubes da cidade. Tres clubes basicamente ficaram na história nessa época por suas discotecas: O Barraco, no Clube do Itapuí, A Kokota no Clube do Comércio e boate da Sociedade Amigos da Florida e Vila Elsa (Safe). O Barraco era o mais popular e reunia a classe trabalhadora e o pessoal com mais de 25 anos, e as pick-up's eram comandadas por um pessoal bastante "antenado" e que sabia fazer dançar. A coleção de discos deixava um pouco a desejar, estava sempre desatualizada, mas contava com bons discos e era salva pelas coletâneas internacionais da K-Tel e dos lançamentos de trilhas de novelas. Os "dj's" eram o Ayrton (Bunyto) e o Edson( Xyleno), que depois no final foram substituido pelo meu grande amigo Dinho, que tinha uma pegada mais Rockeira, mas precisava se adequar ao gosto da moçada que frequentava o lugar.
O Clube do Comercio, colaborou para a diversão com a Boate "A Kokota", onde o público era um pouco mais exigente, por se tratar de público de idade mais tenra e formado basicamente por estudantes e comerciários, um pessoal na época mais em sintonia com os acontecimentos. O "dj" era o Mr. Helio, um cara super antenado, e que apesar de estar ligado do movimento "Disco" era um grande curtidor de Rock, e através dele conheci grandes discos e bandas da época. Em 1975 conheci numa madrugada mágica, o disco "The Dark Side of The Moon" do Pink Floyd, tocado na íntegra para um público estupefato e admirado que curtiu em silencio os mais de quarenta minutos do fabuloso álbum conceitual dessa grande banda. Aconteceu numa linda madrugada, antecedendo um pouco o nascer do sol, que curtíamos abismados nas janelas do segundo andar do prédio onde se localizava a discoteca. Foi um eclipse em nossas vidas, aqueles minutos me marcaram, e a todos os presentes, pouco mais de vinte pessoas, que na verdade lotavam o pequeno ambiente. Lembro de pessoas abraçando o Helio depois do término da audição do disco. Helio era super- fâ também do grupo "Electric Light Orchestra".
A mais longe do centro de todas, e que reunia a "nata" da gurizada Guaibense, a que na verdade era a mais "in" de todas as discotecas da cidade, onde iam os mais endinheirados, era a Boate da Safe, no bairro Florida. Que apesar de ser fisicamente a mais feia, por se tratar de um prédio velho de madeira nunca impediu as grandes comemorações, alegrias e namoros que ali aconteceram. Sempre embalados pelos últimos sucessos das discotécas do mundo todo. Os "dj's" Parré e Verardi se não me engano, ambos de Canoas eram bons animadores e sempre estavam ligados nas tendências mundiais da disco music. A Safe era freqüentada por um público mais ligado nas grifes da moda, e particularmente pelos adoradores do surf. A divisão física e a distância nunca foram impedimento para que os freqüentadores de todas as discotecas vez por outra trocassem de domicílio dançante, e era comum encontrarmos freqüentadores assíduos de um, em qualquer outro dos tres lugares. Haviam também as discotecas "ambulantes" que eram um pessoal que se organizava com aparelhagens de som, e animavam festas em diversos lugares, colégios, clubes e qualquer espaço disponível. Eram muitas discotecas "ambulantes", e em Guaiba ganhou muito destaque a do Pedrão do Shell.
Tempo bom de amizades, brigas raras e muita diversão.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A Olaria


Das coisas que vi em minha infância, que até hoje me povoam os sonhos são as olarias. Não as olarias que estamos acostumados a ver em programas de tv, onde os "oleiros" fazem potes de barro e outros utensílos domésticos, artísticos e ornamentais, onde um trabalhador sentado em frente a uma máquina rústica giratória apertando entre os dedos o barro mole o transforma numa bela peça. A olaria que descrevo a seguir é o mecanismo ou conjunto deles que dão origem aos tijolos de barro que conhecemos, que fazem paredes, muros etc. Dentre os dias de minha meninice, esses que relatarei estão entre os mais belos.
Quando em minhas férias na escola rural que estudava, eu costumava atravessar a estrada que me separava da casa de um vizinho, atravessar sua oficina de ferragens e ganhar o outro terreno que ficava nos fundos para ver a fábrica de tijolos em ação. O mecanismo propriamente dito de onde saiam os tijolos crus era um cilindro de madeira de cerca de um metro e meio de altura, por um diâmetro de um metro, semelhante a um grande barril, por dentro desse havia uma enorme hélice ou pua vertical de ferro que na parte superior era conectado a uma espécie de lança de madeira grossa em que na outra extremidade estava amarrada à canga de uma junta de bois, esses dois animais em constante movimento circular em torno do "barril" faziam com que o barro colocado a pá dentro dele fosse pressionado para baixo pela enorme peça helicoidal, forçando-o a sair por uma abertura na linha circular inferior que tinha as dimensões laterais e frontais de um tijolo, sendo que na dimensão longitudinal o barro saía na forma de um lingote contínuo e ininterrupto. Posicionado defronte a essa saída, ou seja a frente do lingote de barro, o trabalhador, o "oleiro" manejava uma espécie de alavanca presa no sentido lateral do lingote de barro, que corria sobre roletes que sofrendo o impacto dessa alavanca que tinha fios presos na espécie de quadrado que formava, era cortado na forma defitiva dos tijolos. O "oleiro" então em movimento contínuo a intervalos regulares cortava aquela série de tijolos, colocando-os ao lado em carros de mão estratégicamente posicionados, devidamente "untados" com uma fina camada de areia, que quando cheios eram levados a um grande galpão, sem paredes laterais onde eram deixados sobre prateleiras, para que secassem completamente nessa primeira etapa, e que tem um tempo certo para que atinja o ponto exato de "amadurecimento" e possa passar a etapa seguinte.
A todas essas etapas eu acompanhava com curiosidade e espanto, e a que relato agora é a mais trabalhosa e delicada: O forno de cozimento dos tijolos se localizava em um desnível do terreno, que permitia que na parte de baixo se localizasse as aberturas dos fornos onde era introduziada grande quantidade de lenha. Na parte de cima eram colocados os tijolos cuidadosamente asentados usn sobre os outros, levemente separados para que permitir que o calor circulasse entre eles. O imenso salão, ou câmara onde os tijolos ficavam, era herméticamente fechado com uma alvenaria de tijolos e barro e após dado o início da queima ele permanescia fechado durante vários dias até que o cozimento finalizasse, quando então após mais alguns dias depois do fogo terminado essa câmara era então aberta para a retirada dos tijolos completando o ciclo de cozimento. Quando surgiam ainda quentes as pilhas de tijolos numa linda cor amarelo avermelhado tão diferente daqueles cor de barro sujo que alí entraram. Estavam prontos para serem usados.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O Baú de Hq's


Tenho tentado exorcizar coisas que aconteceram ao longo de minha vida, as vezes tenho medo de esquece-las e escrevendo tenho a nítida impressão de que jamais vou perde-las. Fui criado praticamente sózinho e sempre tive uma infinidade de amigos invisíveis: Agentes secretos, heróis, vilões, encontros secretos com agentes de espionagem internacionais, sempre povoaram meu imaginário. Isso nunca me tornou alguém fechado para o mundo e amigos, mas me deu uma certa quietude e prudência que procuro conservar nesse já meio século de existência. Quando nos meus cinco ou seis anos de idade, vivia mais com gente adulta, principalmente irmãos, tios e primos, que me mantiam sempre à margem das conversas, ainda mais que naqueles idos recebiam muito pouca atenção os picorruchos, e os cuidados se restringiam à alimentação, higiene e educação. Jamais participávamos de alguma discussão, a menos que fossemos chamados à ela. Meus pais desenvolveram em mim o ato da leitura em geral, mas sempre tive uma enorme curiosidade pelas revistas em quadrinhos, mesmo bem antes de saber ler. Todos em casa sabiam disso e sempre que podiam, meu pai principalmente me alcançavam algum material dessa natureza. Dada a dificuldade de se conseguir revistas em quadrinho onde morávamos, e dada essa raridade eu sempre tive na minha imaginação a fantasia de um dia encontrar um baú cheio de revistinhas. E o fato aconteceu: Um dia espionando a conversa de meus irmãos e um primo meu muito querido da família e que na ocasião trabalhava com meu pai, vi quando ele abriu uma grande mala de viagem e dentro de seu interior brilharam dezenas de revistinhas, e vi também como ele pediu segredo daquele tesouro aos meus irmãos, visto que eu tinha pouca idade e poderia danificar aquele precioso material. Coisa que eu jamais faria pois admirava demais Hq's e qualquer material de leitura, e segundo minha mãe sempre dizia, eu nunca tinha estragado qualquer tipo de revista, livro ou gibi que fosse. A conversa que espionei de meu primo e irmãos, deus-se logo após o almoço de um dia qualquer da semana, e eu estava espiando através de uma fresta na parede de madeira do quarto onde eles estávam, e que era uma espécie de alojamento rústico que podia ser arrastado com um trator para qualquer lugar que fosse. Uma habitação provisória conhecido na campanha com "bolanta".

Então quando eles retornaram ao trabalho, furtivamente adentrei no recinto e embaixo da cama de meu primo pude visualizar a mala do tesouro, e com o coração na boca e sob a luz das frestas das paredes pude então abri-la e com alegria manusear aquele tesouro, o que fiz com todos os numeros ali contidos durante vários dias, sempre no mesmo horário. Um dia recebi a visita furtiva de minha mãe que me procurava, me viu logo e entendeu a situação, me disse para tomar cuidado com as revistas que eram de meu primo, mas manteve por toda sua vida esse segredo. Consegui a cabo de mais de uma semana lê-las a todas e meu primo ainda saiu no lucro, visto que não toquei nos vários pacotes de "mariolas" que ele escondia junto as suas preciosas Hq's. e descobri desde cedo que sozinho sou muito corajoso.
*Ilustração retirada da Internet - Google Imagens.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A Àrvore de Cachimbos


Eu tinha cerca de 4 anos, e morava em um dos lugares mais bonitos de que tenho memória, era um lugar de imensas plantações de arroz às margens da Lagoa Mangueira na localidade de Curral Grande, área rural de Santa Vitória do Palmar. Os mais incríveis invernos de minha vida foram passados alí. O lugar muito frio e úmido no período de inverno valeu aos moradores o apelido de "mergulhões". Nas épocas de frio com a cheia das lagoas Mirim, Patos e Mangueira o lugar se torna uma espécie de Holanda, visto que está situado entre elas, e tudo se torna um imenso alagado, ainda mais com as intensas movimentações de agua para o esgotamento das lavouras de arroz para a colheita. Eu morava ema especie de vila dos trabalhadores das plantações, onde haviam muitas máquinas agrícolas, famílias e movimentação de pessoal. Nas épocas de arregimentação de trabalhadores então, o lugar ficava cheio de gente nova e pessoas interessantes. Era uma outra época e as comunicações eram feitas somente através de radio amador, ou carta. Quando se precisava de alguma coisa, seja alimento, ferramentas ou equipamentos, ou até mesmo recursos médicos o jeito era ir até a cidade mais próxima, através de estradas rurais de péssima conservação ou recorrer ainda aos atalhos, que eram caminhos abertos entre as propriedades, os conhecidos "corredores".

Havia muita movimentação de máquinas, e para a manutenção dessas era necessário pessoas qualificadas para tal, então havia um imenso e organizado galpão onde funcionava a oficina da fazenda, que era perto da casa principal, quase à sombra de uma imensa e centenária figueira. O mecânico responsável era um senhor muito magro e simpático, que agora esqueço o nome, mas que tinha o habito de fumar cachimbo, usava uma boina preta que lhe dava um ares de um velho marinheiro. Era sempre muito sorridente e ágil e sempre que eu ia com meu pai na oficina, eu lhe pedia o caximbo, ao qual ele se dava ao trabalho de apagar, retirar o restos de fumo, limpava o bocal e dava para eu brincar. Quando eu lhe pedia que conseguisse um para mim, ele paciente e sorridentemente explicava-me que um dia que tivesse tempo iria buscar um, que ficava em uma árvora a beira da lagoa onde cresciam os caximbos. Eu esperei pacientemente por meses, imaginando aquela árvore frondosa carregadinha de caximbos. lógico o caximbo nunca veio, por razões lógicas, mas até hoje tenho gravado ma memória a árvore de caximbos que imaginei, e não esqueço da velha figura do mecânico manipulando suas ferramentas e fumando aquele caximbo com sua indefectível bona preta.



" O ministério da saúde adverte: Fumar é prejudicial à saúde"






quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Chico Mudo


A minha infancia foi recheada de tipos estranhos, pelo menos assim me pareciam, e posso exagerar pois minha imaginação sempre foi muito fértil e volátil. Uma das pessoas mais esquisitas e simpáticas que conheci, foi por volta de meus sete ou oito anos quando morávamos no interior do estado. Sempre recebíamos logo após o almoço a visita de um senhor alto e forte, parecido com os Ogros que eu via nas estórias em quadrinhos que lia. Ele media cerca de dois metros de altura e devia pesar uns noventa quilos. Não era gordo mas era muito forte, e vestia-se de modo não menos inusitado que sua figura. De calças largas e sempre arregaçadas, calçava sandálias de borracha e camisa xadrez de flanela, de magas compridas. Chegava lá pelas duas da tarde de um sábado ou domingo invariávelmente, batia palmas no portão, sorria um largo sorriso de sua boca desdentada, e convidado entrava e sentava-se à sombra de uma frondosa laranjeira, onde havia um banco rústico que meu pai havia construido para nossas horas de folga. Ali entre gestos e risos esperava o farto prato de comida que minha mãe lhe trazia, o qual comia com voracidade, emitindo estranhos ruídos, e grunhidos ininteligíveis. Ah! esqueci de mencionar que o velho Chico era surdo-mudo, mas era muito afável, apesar de ser quieto. Mas nunca demonstrava agressividade, e todas as vezes que almoçava em nossa casa, ao despedir-se agradecia tirando o chapéu e fazendo uma espécie de saudação inclinando o enorme corpanzil para a frente. Saudação sempre dirigida à minha mãe. Uma vez ele apareceu muito quieto e bastante resfriado, minha mãe deu-lhe um chá com um antigripal, e naquele dia ele comeu muito pouco, e estava triste e cabisbaixo, depois disso nunca mais o vi. Espero que aquele enorme, estranho e simpático ser tenha vivido bastante, ou se ainda estiver vivo que Deus o proteja. Senão espero que esteja em um lugar confortável e que sua alma boa seja feliz. Nunca esquecerei Chico Mudo enquanto viver.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Velha Máquina


Eu nunca consegui entender, por que uma maquina tão bonita, podia ser jogada fora, abandonada ao relento sendo encoberta aos poucos pela vejetação, comida lentamente pela ferrugem e servindo de abrigo a insetos e roedores. Eu subia naquele velho trator abandonado e brincava de agricultor, e achava linda aquela maquina ali inerte, faltando as rodas e imaginava que um dia ela fora útil e usada na lavoura. Mas estava ali agora abandonada, atirada ao do tempo; Não conseguia aber, como poderia ter diso esquecida? Será que não tinha conserto? Era um velho trator que hava atinjido o máximo de sua capacidade de durabilidade, não tinha mais como se investir valores e mão de obra em consertá-lo, agora sei e entendo, mas a criança não entendia e se divertia naquele tesouro, pedidndo a Deus que ninguem descobrisse aquele brinquedo, ali ao alcance de todos, mas que não despertava o interesse de ninguem. O velho trator Case era meu só meu.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

"Cumpadre" Luiz Beretta e seu fiel escudeiro Adiles


A mais de quarenta anos quando morávamos na localidade de Passo Grande, na época 3º distrito do município de Tapes, recebíamos esporádicamente a visita de um amigo e compadre de meus pais. O Sr. Luiz Beretta era um pequeno produtor agrícola,que morava na cidade de Tapes, mas trabalhava durante boa parte do mes em sua pequena Chácara em uma localidade rural prõxima ao sítio de meus pais. Vez por outra recebíamos sua visita, em sua passagem de ida ou na volta para o seu local de trabalho, onde tinha uma cabana que dividia com seu ajudante, um jovem que tinha alguns problemas mentais, mas que era de boa índole e respeitava os preceitos de educação rígidas de seu mestre.

Uma peculiaridade, dessa relação era a de que Adiles, era tratado como se fosse um animal de estimação, a despeito de Luiz Beretta ser um homem de fé, e praticante de religião, mas seu escudeiro nada mais era para ele de que "algo" como um cachorro ou coisa parecido, ao qual não eram dispensados maus-tratos, porém não lhe eram concedidas nenhuma mordomias. Era alimentado e tinha direito a um abrigo fora da casa principal, trabalhava e tinha direito a descanso, e era isso.

Meus pais acolhiam a o compadre Luiz, e o convidavam a participar de nossa mesa de jantar, junto a mim e meus irmãos, ao qual ele aceitava, mas o prato de Ailes era servido em separado e lhe entregue para que comesse na rua. Minha mãe a isso fazia de contra gosto , mas respeitava a vontade de seu compadre, e daquela foram era feito. Após o jantar e uma boa "prosa" Luiz Beretta ia dormir junto a sua carroça, e Adiles dormia por perto como se fosse um cão de guarda, e pela manhã bem cedo partiam ou em busca do local de serviço, ou na volta para a cidade para vender os seus produtos, não sem antes oferecerem a minha mãe uma boa quantia de mandioca, tomates e outras suculentas e saudáveis hortaliças. Quando a carroça emprendia a jornada, eu de minha cama ouvia o tropel e relincho dos cavalos, as ordens dadas a eles pelo condutor da carroça, e logo a seguir quando a carroça já estava dista alguns metros de nossa casa, ouvia o barulho dos pés descalços de Adiles no chão duro e socado da saída na porteira do sítio de meus pais, pois outra peculiaridade, era a de que Adiles jamais subia na carroça de seu mestre, ele como bom "companheiro" seguia em trote similar a de um cavalo, sempre atrás da carroça, e... a pé.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Mulher de Fé


As mãos de minha mãe eram lindas. Longos e fortes dedos, de uma pessoa que trabalhou muito nas lides domésticas. Lembro de ficar horas e horas observando-a tricotando os quentes suéteres de sobras de lá que eram oriundas de outros suéteres que eram desmanchados, tinham as lãs lavadas, novamente enoveladas e então pacientemente tricotados nos intervalos das intermináveis labutas do lar. Ela tinha os quadris típicos das mulheres que pariram vários filhos, ela teve nove ao todo, e deve ter criado pelo menos um sobrinho. Todos os filhos cresceram fortes e sadios, e apesar dos pequenos desvios da mocidade, todos se tornaram pessoas decentes e trabalhadoras, sob a forte influência de sua rígida e ao mesmo tempo liberal educação. Uma das coisas que mais me encantavam em minha mãe era sua escrita, que apesar de ser de uma pessoa de pouca instrução, era firme e sem conter nenhum erro de linguagem. Tinha uma linha reta de escrita, e mesmo em um papel sem pauta as frases eram coesas e mantinham entre si bom espaçamento e tamanho de caracteres, em um tipo de letra emendada e muito pessoal. O “e” , “f”, “o”, e “b” capitulares sempre eram feitos iniciando-se em uma bonita linha filigranada, ou um tipo de arabesco de uma beleza e graça sem iguais.
Minha mãe nunca demonstrou alegria exuberante, nem ria com facilidade, a não ser quando da visita de amigas, que lhe eram caras, ou filhos, mas era bondosa, compreensiva e sempre disposta a ajudar os outros.
Nos anos que se seguiram a morte de meu irmão, juntamente com meu pai mergulhou em um profundo e longo período de luto que se seguiram até o raiar dos primeiros anos da década de oitenta, e mesmo nos anos vindouros ainda se mantinha fiel a esse luto, se recusando a participar de festas e a ouvir música em volume mais alto. Nossa casa nesses anos se caracterizava por um silencio respeitoso, que não incomodava propriamente, mas era de certa forma bastante estranho para quem observasse com atenção de fora. Quando da morte de meu pai, minha mãe já estava calejada com a vida e seu sentimento em relação a esse tipo de perda havia mudado um pouco, e sua fé em Deus havia crescido muito, pois apesar de não ser “carola” era muito religiosa no sentido espiritual da palavra. No final dos anos oitenta com a chegada dos primeiros netos, filhos de minha irmã e de meu próprio filho, ela já havia renascido e sua jovialidade driblaram até mesmo uns pinos que deve que colocar em um pé quebrado acidentalmente no banheiro. Viveu um boa vida, gozando de relativa saúde até 2007, quando uma internação provinda de uma isquemia a levou ao coma e a morte em poucos dias.
Poucos meses antes de adoecer, passamos uma linda tarde sob a sombra de uma árvore em frente de nossa casa, ouvindo música suave do harmonicista de Porto Alegre, Paulo Augusto. Foi uma linda tarde e nunca esquecerei a mulher que se fazia respeitar pelos filhos e por todos que a amavam e conheciam.. Minha mãe tinha muitos irmãos e irmãs, quase todos já falecidos, restam ainda dois. Mas todos a amavam e eram correspondidos, e não havia um só dia em que ela não os lembrava. Assim era minha mãe Dona Eni Vieira Barbosa Freitas.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

O Semeador



Uma das lembranças mais marcantes que trago ao longo de todos esses anos que vivo, é a de meu pai com uma caixa pendurada no pescoço, lançando ao ar sementes de arroz, que logo brotavam verdes e lindas para um dia se transformarem em belos e recheados cachos do cereal.
Eu era uma criança ainda, e um belo dia meu pai me convidou para irmos até um local, que eu sabia que era uma lavoura de arroz, e que recentemente havia sido arada e preparada para o plantio. Disso eu tinha noção, mas o que estava para acontecer eu não imaginava. E sentado eu fiquei, em uma saliencia de uma valeta de irrigação e me distrai com pássaros e outros animais silvestres que haviam por ali, enquanto meu pai mexia em umas sacas e ferramentas que ele trouxe conosco. Soprava uma leve e gostosa briza, e o cheiro no ar era de terra, da fértil terra de Santa Vitória do Palmar. De repente ouvi um fargalhar diferente, os pássaros se assustaram, virei a cabeça e então vi meu pai, com um largo sorriso e com longos e cadenciados passos, como numa marcha ágil, com o caixote no pescoço sustentado por uma corda envolta em uma proteção de pano. Ele colhia dentro do recipiente com uma das mãos um punhado de grãos e o lançava enérgicamente para frente e para o alto, com seus fortes braços, com movimentos ritimados. Fazia isso com as duas mãos intercalando os movimentos.
Naquele dia entendi melhor quem era meu pai, cresci como ser humano mais um degrau e aquela imagem até hoje me emociona, pois sempre foi assim que vi meu pai a partir de então. E tenho certeza de que ele foi isso para todos nós: Um semeador.



Dedicado à João de Souza Freitas, meu pai.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O meu amigo Chico Barbosa


No final dos anos sessenta minha família morava em um sítio no interior do estado, e logo que chegamos ao local já fiz vários amiguinhos. Tanto no colégio rural que fazia o primário, quanto nas festas e reuniões de famílias tão comuns naquela época. Um de meus melhores amigos, talvez o melhor era um tocaio: Chico, um carinha muito magro e esquisito, mas dotado de muita inteligencia e bondade. Era muito quieto e pouco conversava com os outros, mas desenvolvemos um empatia mútua que conduziu toda nossa amizade durante os anos que convivemos. Chico tinha muitos brinquedos que eram feitos por seus dois cunhados (ele tinha duas irmâs muito bonitas) que eram exímios marceneiros, e desenvolviam e construiam para ele belos tratores, reboques e outras ferramentas agrícolas, que usávamos sempre em nossas brincadeiras que duravam um dia inteiro, nas longas tardes de verão que passávamos juntos. Nos dias de inverno que são mais curtos, eu ficava até os últimos raios de sol, e somente quando o sol já entrava no horizonte por trás das belas coxilhas eu ia para casa. Pequeno que era nos meus sete anos, com corajem enfrentava a viagem de volta, de cerca de quatro kilometros, por entre banhados e matagais, cortando atalhos, numa jornada inimaginável para um menino de hoje.
Havia na região um homem que desenvolvia máquinas e ferramentas, e que tinha um trator muito velho sempre atrelado a uma não menos velha trilhadeira, e que oferecia seus serviços aos pequenos agricultores que não dispunham de máquinas para suas colheitas. O trator desse homem, Otacílio Tech era seu nome, era o folclore da gurizada da época. Um velho Case 1938, de rodas de ferro e todo enferrujado, que andava muito vagarosamente cortando as estradas de chão e espantando os animais pelas longas jornadas que fazia pelas serras e planícies do lugar. Esse trator de Otacílio deixava um rastro bastante peculiar por onde passava, as rodas de trás do trator eram maiores que as da frente como de costume nessas máquinas, e deixava linhas perpendiculares paralelas no chão, o que era bastante curioso, pois não tinha pneus de borracha. Um dia Chico e eu num final de tarde, quase noite íamos e direção a um lago na frente de sua casa numa baixada para cavarmos algum valo de brincadeira, e Chico começou a fazer sulcos no chão com a pá, semelhante aos que as rodas de trator de Tech deixava no chão, fazia isso e dávamos risadas da semelhança. Ma num descuido de criança, Chico cravou a afiada pá em seu dedão esquerdo, decepando-o, e deixando pendurada a falange desse dedo. Sem chorar mas gritando ele dizia: Socorro atorei o dedo! Apavorado chamei seus pais que o acudiram e o levaram para dentro de casa para tratar o ferimento. Chico foi ao médico tratou e curou o dedo,. ficando sem a falange, o que nunca o atrapalhou em nada. Visitei-o várias vezes quando convalescia, brincamos muito depois disso, mas no início dos anos setenta nos mudamos para outra cidade e nunca mais vi esse querido amigo de infância. Espero que esteja bem, lhe mando um abraço forte, onde quer que esteja, pois hoje amanheci pensando nele.

sábado, 24 de julho de 2010

A Canja da Cafeteria Haiti


O dia no trabalho havia sido normal, com os afazeres normais e as ordens repetitivas de sempre. Não tive problemas com os subordinados nem com os superiores. Mas o frio e o dia sombrio convidavam para um algo mais de final de expediente. Sexta-feira saio as 16:00 hs. vou direto ao centro da cidade, pois lembrei da cafeteria Haiti e de sua famosa canja quentinha e saborosa. Estando lá pedi o mais conhecido prato da casa: Uma super canja que vem servida em uma grande terrina de alumínio, com enormes pedaços de peito de frango e aquele super temperinho verde picado por cima. Fiz acompanhar de um fresco pão frances e de uma deliciosa e providencial taça de vinho tinto seco, pois o clima assim o pedia. Ela chegou saborosa e fumegante entregue por uma gentil garçonete já minha conhecida, o vinho chegou em seguida. Amigo eu lhe digo: Em cinco minutos de homeopáticas sorvidas e eu já tinha vontade de tirar o casaco, e em dez minutos a vontade era de ficar sem camisa, o que seria considerado um tanto estranho e proibitivo dado o nível do lugar, que estava lotado de pessoas de todas as faixas etárias e níveis sociais, mas que comiam com educação européia (se é que existe essa educação). Acabei o prato satisfeito, dei a ultima goladada do vinho, levantei a gola do casaco, paguei e tomei a rua. O frio intenso parecia nem me atingir, e fiz a viagem de volta para casa de ônibus, escutando Heavy Horses do Jethro Tull no player, de barriguinha forrada e com uma sensação incrível de relaxamento e conforto. Se Deus quizer volto muitas vezes ainda nesse inverno ao Cafeteria Haiti.

domingo, 18 de julho de 2010

Construindo Cellos


Uma fina chuva de inverno se precipitou hoje, e após o meio dia senti vontade, de aproveitando o friozinho, tirar aquela "pestana". Com o calor gostoso do grosso cobertor não tardei a ferrar no sono, e os sonhos brotaram ligeiramente. De um que lembro com perfeição, foi minha visita a um luthier portugues fabricante de cellos. Onde recebi instruções detalhadas de como adquirir a madeira, finas laminas de compensado especial, que coladas sobrepostas formam um dura e sonora caixa acústica para o instrumento. Os difíceis encaixes em serviços de marchetaria me foram mostrados com detalhes e as emendas necessárias para compensar os pequenos tamanhos de certas peças ainda receberam o requinte de serem mostradas em um moderno programa de computador, que simulava o perfeito encaixe das madeiras. Pude tocar e sentir a dureza das madeiras, sua rudeza quando ainda na fase de preparação, e o aveludado de suas superfícies após o tratamento e lixação. Pude conferir a acústica da grande caixa sonora do instrumento batendo com as juntas dos dedos, pecebendo o poderoso som grave que emanava desse teste. Com grande riqueza de detalhes o artesão me mostrou os pós e diluentes que misturados formam o fino verniz do acabamento, enquanto me falava da importância dessa fase da confecção do instrumento, e de quanto a pintura influenciava no som. O cheiro do verniz era forte e fez com que eu despertasse, mas tenho certeza absoluta que em alguma aldeia perdida nas colinas de algum pais europeu, nesse momento alguem dá os primeiros acordes em um cello novinho em folha, afinando-o e preparando-o para a música.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Meu amigo João Henrique


Logo que cheguei em minha cidade, um de meu primeiros amigos foi o João Hnerique. Um cara muito legal, fiel e companheiro, mas que raramente saia de casa. Tinhamos poucos minutos por dia para desfrutar de sua companhia, pois sua avó e mãe super protetoras não o deixavam se expor muito. Hiquinha, como não gostava de ser chamado tinha alguns problemas emocionais, mas era um grande parceiro nas brincadeiras, leitor assíduo e arranhava precariamente um violãozinho. Aos domingos quando podia sair para irmos a matiné no cinema, sempre levava algum dinheiro, mas nunca gastava, voltava sempre com o mesmo dinheiro que saíra de casa menos o da entrada do cinema. Muito asseado e sempre impecavelmente vestido, Hiquinha chamava muito a atenção das meninas, mas tímido que era raramente aproximava-se delas, e quando o fazia não se despia de sua grande educação e polidez. Faz algum tempo que não o vejo, mas sei que está bem.
Um grande abraço a João Henrique.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Frio em Nossos Corações


Na madrugado do dia 14 de abril de 2010, pela primeira vez no ano, o clima pediu e eu obedeci colocando um sueter e uma calça de abrigo. A mudança brusca dessa semana, não trouxe somente o frio, trouxe mudanças que bem poderiam não ter acontecido, mas a condição humana em seu rumo infindável no caminho do destino sempre acaba nos pregando alguma peça.
Meu amigo Jorge, homem ágil, esperto e ativo, dono de negociação invejável no trato com clientes e subordinados, acordou sem saber quem era exatamente. Sabia onde era seu local de trabalho, e queria ir até lá, guiado por familiares foi, mas quando chegou o lugar não lhe dizia mais nada. e a cadeira, onde tomava importantes decisões e acompanhava seus empreendimentos já não lhe eram familiares. O chimarrão tão imprescindível nas manhâs do dia a dia não lhe apeteceu. Ao entrar como de costume olhou para meu escritório e me cumprimentou chamando pelo meu nome, e ao se afastar deu-me tchau, mas uma vez pronunciando meu nome com voz suave. Depois a tarde o vi mais uma vez sem rumo, tentando alcançar a porta do escritório, com passos incertos, o lugar ainda o chamava, mas ele parece não saber porque. Em seguida o vi pelas costas caminhando com o filho e outra pessoa, apenas uma sombra do que era a apenas pouco mais do que uma dezena de horas. Estamos todos chocados e sem ação.
Esperamos sinceramente que ele volte logo, ainda nessa mesma frente fria se possível, e traga o calor que se dissipou.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Bicicleteada Noturna


Retornei do trabalho a tarde, quase anoitecendo com vontade de escutar "um som", mas a balburdia do final de dia, buzinas, automóveis passando, crianças retornando da escola e aproveitando os últimos momentos do dia, impediam-me de escutar música em um volume humanamente suportável. Enchi os pneus da bike, catei meu mp3 player e sai para uma volta noturna. Após 15 minutos de uma vigorosa pedalada, lá estava eu no Balneário da Alegria, em cima do que restou do santuário de Iemanjá. Sentado olhando um maravilhoso céu estrelado, em destaque a via-láctea, e ao fundo quase encostando no horizonte da divisa entre o lago e a lagoa o intrigante cruzeiro do sul, com suas estrelas "Acrux", "Intrometida", "mimosa", "Gacrux" e "Pálida" .
A música fascinante de "Fifth Dimension" dos Byrds proporcionaram-me um relaxante e "viajante" início de noite. Retornei com a mesma vigorosa pedalada, e após um bom trabalho de alongamento, tomei um gostoso e renovante banho, e dormi como um anjo e sonhei com as estrelas.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Arnaldo Batista


Arnaldo é a coisa mais próxima de tudo que sempre imaginei e concebi em minha mente a respeito do que é uma pessoa do rock and roll. A inocência que sempre pretendi para mim e para os mitos que criei juntando os pedaços de informação recebidos. Ele é o mais sincero dos representantes, daqueles que se denominaram "loucos" no período do desbunde geral. Hoje assistindo ao documentário "lòki", que a mais de uma ano eu deveria ter visto, e que fui sempre protelando, pois já antevia a emoção, pude ver a honestidade e verdade, que as pessoas que conviveram com Arnaldo, no tempo dos Mutantes e agora, e durante o duro período de sua convalescência, se referiram a ele. Em todo o filme é possível ver as pessoas falando com emoção verdadeira e lágrima nos olhos, deste que juntou seus pedaços e sobreviveu. Desse fenômeno admirado em todo o mundo sem quase nunca ter aparecido na mídia, o amor que as pessoas da França, Inglaterra e Estados Unidos tem por ele, e por sua arte maravilhosa. Arnaldo foi abandonado várias vezes: Primeiro por Rita Lee, depois por Sergio e finalmente pela pròpria familia. Praticamente em coma num hospital, um anjo se aproximou dele e até hoje cuida de sua vida e saúde. Arnaldo é um genio verdadeiro, e Lucia Barbosa sempre soube disso, só que levou isso a sério.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Resposta à Coluna de Cristina André na Gazeta Centro- Sul


Olá Cristina!

Estive lendo sua coluna na Gazeta, de 13 de março de 2010, pois tenho a mania de ler jornais velhos e me deparei com o que tu escrevestes a respeito das tempestades e fenômenos "naturais", estarem sendo provocados por países com o intuito de atingir os inimigos. Apesar de saber que a procura por petróleo em grandes profundidades, e o vazio geológico momentâneo deixado pela extração do precioso líquido viscoso, possa mexer com as placas terrestres, acho um tanto improvável, que terremotos e maremotos possam ser provocados à revelia da natureza. Acho que ainda o homem em sua profunda maldade não tenha esse poder, mesmo que concorde que esteja procurando por isso. Queimadas, secas, maremotos, terremotos, avalanches, enxentes, buraco na camada de ozônio e outros acidentes a que estamos expostos, estão sim sendo provocados pelo homem, ou seja: Todos nós que temos nos atirados a esse consumo desenfreado, a essa busca insâna pelo acúmulo de objetos e bens materiais. Essa corrida na produção de alimento, carne e ítens de consumo gerados pela necessidade criada em todos nós por essa máquina grandiosa e insaciável, por nós mesmos alimentada. É sempre bem cômodo criar um inimigo, que tudo faz contra nós, e que a nós está sempre dirigindo sua ira e maldade. Mas se tu quando estivesse olhando a telinha como disses, e olhasse a tua volta veria o verdadeiro inimigo bem próximo de ti, tu mesmo, membro complacente desse imenso corpo que tomou conta de um paneta para si só, e que o explora e consome como se seus recursos fossem infindáveis e seu fim inatingível. Cristina querida, não existem eles. O que existe somos eu, tu, ele e nós.

terça-feira, 16 de março de 2010

Meu amigo e os discos de vinyl


Começamos a ouvir musica, sempre por influência de algum amigo ou parente. Os primeiros discos que tive me foram dados por um grande amigo que já se foi, e estão entre os que mais escutei na vida, e vez por outra ainda os escuto. Claro, não são fisicamente os mesmos, pois a midias evoluiram e já não usamos os mesmos velhos discos de vinyl.
Mauro tinha uma boa coleção de discos, no anos setenta e oitenta, e os seus discos eram muito cobiçados por mim que vivia pedindo-os emprestado. Fazia uma grande caminhada até sua casa por vezes para buscar algum disco, e repetia isso várias vezes no mesmo ano, por vezes com o mesmo disco. Alguns ele não deixava ficar muito tempo na minha casa e logo os resgatava, como é o caso de "Clear air turbulence" da Ian Gillan Band, pois esse era pouco encontrado nas lojas, por ter tido uma distribuição não muito grande, e por não ter caido no gosto do público rockeiro, visto que era um álbum com influências de jazz e fusion.
Rory Gallagher, somente conhecíamos através do Transasom, programa de televisão da RBS, pois não haviam discos nacionais dele, mas em uma viagem ao Rio de Janeiro, Mauro tratou de comprar dois exemplares: "Against the grain e Photo finish" ótimos, que logo estavam comigo. Esses dois chegaram a me pertencer, depois nos anos oitenta eles sumiram. Do Credence Clear Water Revival, Mauro deu-me o incrível "Green River" que guardei durante longos anos. Outro disco que transitava muito entre minha casa e a de meu amigo, foi "The progressive blues experiment" de Johnny Winter, que de tanto ir e vir, uma vez sucumbiu quando Mauro o trazia para mim, caindo de sua moto, e causando lhe um arranhão que quase acabaram com o disco, que tinha a excelente "My own fault" de KIng e Taub.
Em nossas festinhas de aniversário no trabalho, era comum trocar-mos presentes, pois faziamos aniversário juntos, e tal era nossa interação que no aniversário de 20 anos, nos presenteamos com duas cópias idênticas, compradas na mesma loja, sem sabermos, de "Comes tastes the band" do Deep Purple. Outra vez ganhei no aniversário "Take it Home" de B.B. KIng. Mas não lembro qual dei a Mauro.
Um dia nos encontramos no ônibus vindo de Porto Alegre, eu tinha ido a trabalho, e ele matou o serviço e foi atrás para me encontrar, mas somente nos vimos na volta, portando dois discos novos. Eu com "Jazz" do Queen, e Mauro com o primeiro disco solo de David Gilmour.
Na década de 2000, acabei vendendo um a um todos os discos que me restavam para o Mauro, que volta e meia ia na minha casa, escolhia o disco e ele mesmo fazia o preço, sem me dar alternativas. Por essa época eu já não mais escutava em vinyl, e Mauro os adorava, tendo aumentado bastante sua coleção, antes de seu desaparecimento em 2008.
Não sei o que foi feito com os discos do Mauro depois de sua partida, mas se eu parar um momento, sou capaz de lembrar de todos eles, de suas capas e do jeito que ele os guardava em um velho móvel de eletrola antiga. Como foi bom ter podido compartilhar desses discos nos últimos dias de vida dele, pois aos domingos sempre nos encotrávamos para escutá-los em sua casa. Sempre que eu escuto música lembro do meu amigo, talvez seja a forma que encontrei de homenageá-lo e mantê-lo na lembrança.
Um dia a gente se vê.

segunda-feira, 15 de março de 2010

O Novo Sol Nascente


Finalmente foi lançado o mais recente disco póstumo de Jimi Hendrix. Com a rapidez dos meios de comunicação, leia-se internet, a essa hora todo mortal apreciador de Hendrix, já está calvo de saber detalhes e minúcias deste lançamento.
Janie Hendrix a meio irmâ de Jimi, que aparece em algumas fotos com o guitarrista, quando menina, é por assim dizer a diretora da empresa que controla o material do artista. Ela convocou o mago dos estúdios Eddie Kramer, que restaurou, normalizou, colou e reeditou um belo álbum de músicas de Hendrix. Polemica à parte, de que se é material inédito ou não, fica para os comerciantes e empresários discutirem. A verdade e de que se trata de uma obra muito bonita, feita por quem conhecia o som de Hendrix como ninguem, Kramer se esmerou em produzir com as melhores técnicas de estúdio um disco que tem a sonoridade moderna e perfeitamente comerciável, entre o público admirador do guitarrista.
Discordo de alguns que dizem se tratar de material apenas para colecionadores. Pois acho que o álbum pode ser ouvido como algo novo, trabalhado em cima de material pré-existente, pois colagens ou não, os solos e as bases viscerais de Hendrix estão ali. Creio que da forma que ele as montaria, caso trabalhasse com Kramer nessa finalização. Para quem como eu é admirador do músico, e que gosta até das picaretagens de Alan Douglas, pois escutei muito o "crash landing" e "midnight lightning", esse lançamento é um prato cheio de delícias, nessa mesa farta de porcaria que é a música atual. Conheço bem a obra de Hendrix e vejo a chegada desse trabalho como um somatório na sua estrada musical, bruscamente interrompida naquele hotel em Londres em setembro de 1970.
São versões diferentes da que costumamos ouvir em seus discos oficiais, como a magnífica "hear my train a coming", a swingante "Mr. bad luck" tem o balanço soul de Jimi, e em "Bleeding Heart" somos brindados com uma versão mais rápida desse clássico, "Ships passing trought de night" tráz o lirismo da melodia inconfundível dele. Algumas musicas são takes alternativos, outras são puramente "jams" de estudio, mostrando um Hendrix criativo e interado com os companheiros de banda. Mas o melhor mesmo é escutar e ter a própria opinião. De qualquer forma Eddie Krammer conhecia como ninguém a Jimi Hendrix e seu talento musical, e se queríamos algo "novo" de Jimi Hendrix, acredito que essa foi a melhor forma de apresentá-la. Kramer já produziu boa parte da história do Rock e esse é mais um capítulo nessa trajetória. O que sei é que as mixagens foram feitas a partir da fitas mestras originais, o que por si só ja garantem uma boa qualidade sonora, diferentemente daqueles lançamentos do final da década de 70 e anos 80, que ao que parecem eram feitos a partir do próprio disco de vinil. Agora levantou-se um véu, e tudo parece bem mais claro aos ouvidos. Vivas para Kramer, Janie e Jimi.

sábado, 13 de março de 2010

O Colecionador do Ônibus


No início dos anos oitenta, quando eu trabalhava em uma loja de ferragens na minha Cidade, ouvi no balcão, contado por um policial em vias de se aposentar um história deveras curiosa. Era um dia de chuva, quando as conversas ficam mais demoradas, e os ouvidos mais atentos.
A polícia da Cidade recebeu uma queixa da empresa de ônibus concessionária da linha intermunicipal, que fazia (e faz até hoje) a ligação de Guaiba com Porto Alegre, no sentido de que estava havendo um tipo de depredação do patrimônio da empresa, mais precisamente nas poltronas dos coletivos que faziam essa ligação. Ocorria que estavam aparecendo diversos ônibus com um retângulo recortado simetricamente de suas poltronas. O problemas já fazia alguns dias que estava ocorrendo, sem que cobradores, fiscais e motoristas conseguissem descobrir quem era o vândalo que andava fazendo essas estrepolias. Era bem comum nessa época, que grande parte dos estudantes de Guaiba, com maior poder aquisitivo usassem as escolas de segundo grau de Porto Alegre para dar continuidade, a seus estudos, o que fazia o caso se tornar mais difícil devido ao grande numero de jovens, que faziam esse percurso em diversos horários do dia. E como a coisa parecia ser obra de algum jovem arteiro, as investigações começaram.
Todos os motoristas e funcionários da empresa foram alertados para ficarem de olhos abertos, prestando muita atenção na movimentação para que esse caso pudesse ser solucionado. Da parte da polícia foi colocado um agente que passou a entrar nos ônibus em horários pré determinados para tentar dar um flagra no meliante. Semanas se passaram sem nenhuma novidade no caso, a não ser o aparecimento dioturno de mais e mais bancos avariados, a média de um por dia. Muitas vezes dois.
Certa ocasião o motorista de um coletivo, começou a prestar atenção em um rapaz, franzinho, e sempre tímido que fazia uso do transporte diáriamente, e que nesse dia pareceu mais assustado do que o normal, visto que nem havia descido em seu ponto costumaz, que era na rodoviária no centro da Cidade. Alguma coisa o havia deixado desconfiado, e parecia que ele pretendia saltar em um lugar mais apropriado, talvez depois de jogar fora alguma coisa que tinha na bolsa.
No final da linha, quase na garagem da empresa, o motorista chamou o cobrador e contou-lhe de sua desconfiança. Pararam o ônibus e interpelaram o jovem que assustado, foi logo mostrando a bolsa escolar onde estava um recorte simétrico de um assento do coletivo. Foi levado até o escritório da empresa, chamados seus pais e a polícia. Como se tratava de família tradicional da comunidade, foi acertado que o pai pagaria o prejuizo causado à empresa, o caso seria abafado, ficando o menino incumbido apenas de explicar a história toda. Não se sabe o que aconteceu no seio dessa família, somente que o pai envergonhado, entregou posteriormente na delegacia, ao policial que contou-nos a história, um álbum desses antigos que se colocavam fotografias, com diversos recortes do material dos assentos dos coletivos, devidamente catalogados, por data, hora e numero do ônibus de onde fora tirado o recorte. Contava esse álbum com mais de cinquenta recortes.
Como boa cidade interiorana, o caso logo caiu no esquecimento e talvez hoje cerca de quatro ou cinco pessoas apenas lembrem do fato. Eu, meus dois colegas de serviço e o então jovem colecionador, hoje um respeitável senhor acima de qualquer suspeita.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Led Zeppelin no Bom Fim


Em 1977, eu havia assistido o filme "the Songs Remains the Same" que registrava a magistral performance do Zeppelin no Madison Square Garden em New York, no cinema Astor, na Benjamin Constant. Tinha claro,desbundado, pois o Zeppelin era minha banda preferida por aqueles dias. Mas o impacto verdadeiro com essa obra prima, se deu dois anos depois em 1980 no cinema Bristol na Oswaldo Aranha.

A sessão seria a meia-noite, em um ciclo de filmes de Rock, que já estava acontecendo ha dias, sempre nesse horário. Cheguei as 23 h. e a fila já era enorme, sugerindo que pelo lado de fora já havia sem dúvida lotação para no mínimo duas sessões do filme. A turma era ruidosa e composta de fâns da banda, não havia nenhuma senhora com sacola de super mercado na fila, eu garanto. A multidão era composta quase que única e exclusivamente pela fauna do Bom Fim daquele tempo, que já se mostrava empolgada no momento. Abertas as portas para a primeira sessão, e já houve um pequeno tumulto na entrada, pois todos queriam os primeiros lugares na apertada sala do Bristol, o que foi constornado eficientemente pelo bilheteiro e um assistente.

Transcorria aquela primeira sessão normalmente lá dentro, mas do lado de fora a situação era um pouco diferente, pois com o inicio da madrugada, mais gente, que saia dos bares ia se incorporando as fileiras para assistir ao filme, o que exigiria mais de uma sessão extra, o que certamente não aconteceria. Quando houve o intervalo entre as sessões, para o ingresso na próxima, que conforme anunciado seriam duas, aconteceu mais um tumulto, com o mesmo motivo do anterior, entrar primeiro para pegar melhores lugares, pois dessa vez era bem maior o numero de gente para aquela sessão. Para organizar melhor a entrada da massa, o staff do cinema, dividiu a entrada das pessoas em duas etapas, pois a fila estava muito desorganizada. Quando a porta foi fechada, foi chutada e esmurrada pelos fâns da banda, parecia que o proprio Zeppelin estava lá dentro, e esses ânimos foram exaltados pela cara de felicidade e êxtase que os espectadores exibiam quando saíram da primeira sessão. Vidros foram quebrados, latas de lixo da frente do cinema foram chutadas, até que apareceu a Brigada Militar e os ânimos foram acalmados. Foi acertado que todos entrariam, mesmo que lotasse a ponto de não haver lugares para sentar. Meio tímido e com um pouco de receio daquels malucos fiquei entre os últimos a entrar, mas entrei. Mal passando a porta que dividia a sala do corredor, já tive que me sentar no chão, pois o volume de gente era grande, mas surpreendentemente, estavam relativamente quietos, salvo o ruído das conversas animadas. Não teve introdução, o filme começou direto, e às primeiras pancadas de "Bonzo" na introdução incendiária de "rock 'n roll, lá estávamos literamente aos pés da mais fabulosa banda do planeta. Já era madrugada quando saímos da sala, chovia torrencialmente, e a solução para escapar do temporal, foi entrar no "Lola" para beber cerveja e conversar até amanhecer. Parecia que tínhamos visto Led Zeppelin ao vivo naquela noite chuvosa do Bom Fim.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Pau Ferro - Caesalpineae ferrea


Tenho o privilégio de ter em frente de minha casa, uma árvore que meu irmão e eu plantamos a cerca de vinte anos. É um exemplar da árvore conhecida popularmente como "Pau - Ferro, que é mais comum no nordeste do País, e que agora descobriu-se que contém uma substância excelente no combate a micróbios e bactérias. No nordeste ele já é muito utilizado em infusões para combater desde tumores até diarréias. Caesalpineae ferrea é o nome dessa espécie, que além das propriedades medicinais, propicia uma sombra densa e agradável por todo o verão, sendo também muito resistente, de madeira de extrema dureza, como o nome sugere. Essa árvore tem um ciclo de vida, que mantém o proprietário, (se é que se pode dizer isso de uma árvore) ocupado o ano inteiro. Logo após o inverno, na chegada da primavera ela começa a brotar sua riquíssima folhagem, que é acompanhada por caxinhos floridos de um amarelo muito vivo, e que a medida que os dias vão passando, esses caxinhos floridos vão caindo, pontilhando o chão, ou pátio com sua coloração típica, gerando um enorme volume de residuo. Quando todos os caxinhos caem, está chegando o inverno, e também as folhinhas, miúdas e em número espetacular também começam a despencar, o que dura meses, num interminável fluir para baixo de uma cortina verde das pequenas folhas, que se amontoam no pátio e entopem tubulações e calhas de água, cobrindo os telhados com uma espessa camada, também gerando uma quantidade industrial de material orgânico. Quando finalmente todas as folhinhas caem, deixam a vista uma quantidade enorme, extraordinária de sementes, que são pequenos bagos pretos e que contém dentro as sementinhas propriamente ditas. Durante todo o inverno, pode-se exercitar lindamente o físico catando esses bagos que caem incessantemente, sobre o telhado, calhas, pátio e por onde se estender sua linda e maravilhosa ramificação de galhos. É possível juntar de uma árvore adulta cerca de um saco (de cimento), ou seja aproximadamente 50 quilos desse material. O suficiente creio eu, para reflorestar um parque inteiro. O barulho a noite dos bagos caindo sobre o telhado, é por vezes assustador, mas não causam prejuizo por serem bem leves, é que sua estrutura lisa e dura proporciona um estalar característico quando caem sobre telhados de fibrocimento.

Bem, passado alguns dias, se olha para cima com saudade da sombra da espetacular e frondosa árvore, pois dela restam apenas as ramificações e os galhos nus, o que nos entristece, pois ela com as folhas é muito bonita. Mas a tristeza dura bem pouco, pois se aproxima rapidamente a primavera e sua folhagem verde oliva começa a brotar febrilmente, com uma exuberância que somente a natureza é capaz. E com a folhagem brotam também os caxinhos dourados, que logo começam a despencar recomeçando o ciclo. Coisa para jardineiro nenhum botar defeito.

terça-feira, 9 de março de 2010

O Lado Escuro


Descobri o disco e a música fenomenal do Pink Floyd, na trilha lisérgica do álbum "The dark side of the moon" de uma maneira muito legal. No final da década de setenta, era a onda máxima de Guaiba, frequentar a discoteca "A Cocota" nas dependências do Clube do Comércio da cidade. A onda da Disco Music, John Travolta e seus asseclas, ainda batia forte por aqui, e todos sábado era dia de colocar a indumentária da moda, ensaiar alguns passos para não fazer feio com a namorada, e ir a luta. As noites invariávelmente eram muito divertidas, sem os exageros etílicos de hoje, e sem o consumo desenfreado de substâncias nocivas à saúde. O que se permitia era no máximo o uso ritualístico de um baseado.

Após a noite de dança frenética, era comum que o DJ. (disq jóquey) na época, sempre tocasse para finalizar a festa, algum disco por inteiro, que servia para acalmar os ânimos, e preparar para o longo retorno para casa, invariavelmente a pé, e de madrugada. Nessa noite, já quase dia, Mr. Hélio o DJ. preferido da cidade colocou para rodar o agora famoso àlbum do "prisma" do Pink Floyd.

Aqueles sons de coração pulsando, seguidos por uma rajada sonora, da hélice de um helicóptero, que desembocavam suavemente em "Breath" foram os 1:30 minutos mais incríveis da minha juventude. A respiração estava suspensa, o coração batia muito forte. Pelas únicas duas janelas da pequena sala da discoteca, o sol começava a surgir magnífico por sobre o não menos magnífico lago Guaiba. O silêncio reinou entre o educado público, não mais que 50 pessoas que lotavam "A Cocota". No acorde final de "Eclipse" eu havia acordado para uma nova vida e no outro dia até minha roupa já não era mais a mesma. Dali em diante comecei a perceber a música de uma forma que nunca havia percebido antes, e passei a me interessar ainda mais pela vida e suas coisas.

A Boate do Jucão


Em Guaiba nos anos setenta houveram poucos homens que não frequantaram a boate do Jucão. Ela permeou a década e entrou nos anos oitenta, como um ícone da diversão masculina na cidade e aqueles que nunca a frequentaram, por vezes mentiam em contrário para não parecerem desatualizados ou caretas. Tratava-se de uma velha casa no bairro hoje conhecido como Columbia City, e que ostentava em sua fachada uma incipiente lâmpada vermelha, que denotava o caráter erótico do lugar. As meninas que trabalhavam no local, nunca iam até a cidade, pois seriam discriminadas, então ou ficavam em suas casas durante o dia ou desenvolviam alguma atividade no próprio local de serviço. Eu por ser menor de idade, no auge da casa, nunca pude frequentá-la, mas seguidamente ia com amigos até o local, e ficávamos do lado de fora, na rua imaginando as cenas quentes que pudessem estar acontecendo lá dentro. Hoje passados muitos anos do fechamento da boate, após passar pelas mãos de outros donos, ainda lembramos, nas rodas de bar, da Boate do Jucão. Algum historiador, precisa resgatar a memória dessa casa, pois a prostituição já é tida quase como uma profissão corriqueira no país, e o lado romântico dessa praticamente já perdeu-se.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Aprendendo a amar Dylan


Em 1977 eu perambulava pelas ruas vazias de minha cidade, entrava em algumas lojas, sentava nas esquinas e olhava a vida com um certo marasmo nos olhos. O que eu via e ouvia não me agradava. Nos radios tocava uma musica velha, ou então a famigerada disco music daqueles anos. Eu não comprava discos, e conhecia alguma coisa de rock de programas de televisão, da guerrilha cultural que se tramava naqueles tempos de chumbo. Já sabia perfeitamente diferenciar a musica comercial, daquela mais caracterizada pelos apelos artísticos. Já tinha visto e gostado de Dylan, que conheci pela televisão com hurricane, naquele célebre concerto para John Hammond, onde Scarlet Rivera fazia um violino chorar naquela música. Essa música estava estourada, tocava sempre em um boate que eu frequentava por vezes fugindo da bruma daqueles dias incertos. Acompanhava um programa da televisão em que passavam nomes do rock, naqueles filmes promocionais das gravadoras. Já conhecia e apreciava, Rory Gallagher, Black Sabath, Zeppelin, Purple, Yes, Pink Floyd, Genesis, e outros, mas ainda estava um pouco à parte daquilo tudo. Uma tarde de inverno sem nada para fazer, fui até a rodoviária da cidade, para olhar através da tela do stand de revistas, para ver se alguma coisa me interessava. Quando já ia embora olhei para trás, e no alto das estantes vi a metade da página de uma revista, onde dava para ler as primeiras letras da palavra Rock. Imediatamente pedi para dar uma olhada, o que o dono da revistaria de pronto não só me atendeu como deu-me de presente a revista, que já contava com um ou dois meses de atrazo. Era a revista Rock história e glória, nº 4, se não me engano editada por Julio Barroso. Ezequiel Neves e outros corajosos de plantão. Era a biografia resumida de Bob Dylan. Foi onde fiquei sabendo de seu verdadeiro nome e de sua incrível história, e desde aquele dia passei a me interessar mais por Rock and Roll e por Bob Dylan. Eu tinha então 17 anos e já estava ficando velho, mas depois que descobri esses sons incríveis comecei a rejuvenecer a cada ano. Hoje conto com 50 degraus na escadinha da vida, e ainda tenho tudo daquele adolescente que nem havia se alistado ainda. E que tinha apenas uma calça lee, uma camiseta hering e um par de tênis bamba, e uma sopa quentinha esperando em casa.