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Generalidades com Especificidade

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sábado, 16 de setembro de 2017

O Astronauta no Celeiro


Entrei por um velho portão de madeira de cerca de um metro e meio de altura, as dobradiças rodaram nos eixos sem ranger, mostrando que estavam bem engraxadas. As madeiras velhas e fortes não mostravam nenhum traço de apodrecimento, um cachorro me olhou assustado e voltou a dormir enrodilhado na sombra de um antigo cinamomo carcomido pelo tempo.
Segui por uma trilha sinuosa no meio do capinzal, os pedregulhos do chão pareciam crocantes no solado das minhas botinas, muitas laranjeiras cercavam todo o caminho. Passei por uma antiga casa em estilo colonial muito simples, grande ela tinha as paredes bem caiadas que brilhavam ao sol com a alva característica da cal. Mais adiante me deparei com outra construção, essa de madeira, também muito grande e alta, com as tábuas das paredes dispostas de forma horizontal e longitudinalmente, no estilho americano de construir, parecendo um antigo celeiro, ou galpão de estância. Uma das folhas da porta entreaberta balançava suavemente com a brisa morna daquela tarde quente, pela grande fresta pude ver uma velha maquina na sombra. Ouvi um som de música e continuei, dando mais uns passos. Em uma sombra projetada pela alta cumeeira daquele galpão, um homem trabalhava debaixo de um velho trator, manejando com destreza uma enorme chave inglesa, tendo a seus pés um banquinho com um rádio tocando uma música suave, a qual ele acompanhava assoviando, enquanto trabalhava. Fiquei a observar a cena, quando subitamente a peça em que ele mexia se soltou e foi seguida por um jato de óleo queimado que quase atinge seu rosto. O homem com agilidade afastou-se de lado ao mesmo tempo em que aparava o líquido viscoso com uma espécie de recipiente de lata, colocando-o exatamente na direção de onde o liquido se esvaía. Feito isso se arrastou sem dificuldades para fora, levantando-se com igual agilidade, nisso percebi que era bem velho, apesar da jovialidade dos gestos. Olhou-me um pouco espantado, a longa franja do cabelo escasso, vermelha soprou com o vento revelando a tez queimada pelo sol, gotas de suor empapando a testa enrugada e judiada pelo tempo. Estendeu a mão com um sorriso leve e cordial, retribuí.
_Olá! Meu nome é Iuri, com “I”, é mais fácil de escrever do que com “Y”. Disse.
_Boa tarde, Procuro por uma peça de metal, que possa servir como grelha, ou um disco que possa ser levado ao fogo para fritar ou cozinhar carnes, indicaram-me seu estabelecimento. Ele riu.
_Estabelecimento? É apenas minha casa e minhas bugigangas e velharias como eu. Mas siga-me, vamos ver o que achamos.
Seguiu em frente com passos largos e firmes, os sapatos rotos fazendo rodilhas de poeira no chão batido e estorricado, eu o seguia com dificuldade, observando sua sombra se deslocando no gramado irregular que ladeava o caminho. Chegamos a um depósito cercado, mas com um a entrada livre onde havia muitas peças de ferro-velho e uns dois automóveis semi desmontados. Em um dos lados observei um grande objeto, cilíndrico e cônico, como uma enorme maquina de lavar dessas antigas, com aquela abertura circular típica, por onde poderia passar sem muito sacrifício uma pessoa. Dentro pude observar que havia uma espécie de “cockpit” em frente a um painel com diversos furos, de onde parece que haviam sido retirados diversos instrumentos eletrônicos, ficando apenas pontas de fios e marcas de pancadas. Perguntei-lhe:
_O que é isso?
_Uma das bugigangas que a mãe pátria me deu quando me mandou para a América do sul, disseram que era um presente e o pagamento pelos meus serviços prestados.
Pendurado em um lugar daquela coisa, pendia um capacete com a sigla C.C.C.P, e logo abaixo em caracteres menores as letras Y.G. sublinhadas e com uma patente que não soube traduzir. Espantado balbuciei:
_O senhor é... digo... seu nome...
_Isso meu jovem, sou o velho Yuri Gagarin.
_Mas... mas... Gagarin não morreu em 1968?  
_Sim. Na mãe pátria, sim.
Disse contendo um espirro, em seguida deu um largo sorriso mostrando os dentes fortes e amarelados, a franja vermelha soprou com o vento, me alcançou uma peça de ferro enferrujada parecida com uma bateia de garimpo e completou:

_Isso serve?  Perguntou, me olhando com sinceridade. Seus profundos olhos azuis me pareceram a terra quando vista do espaço.

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