Quando completei sete anos de idade eu costumava brincar no fundo do quintal de casa, certa vez ouvi um zumbido nos ouvidos. Não era no nível físico do tímpano, bigorna, martelo, etc. Era um som que eu escutava na cabeça ninguém mais podia ouvir, mesmo minha mãe que eu interpelava quando aquele ruído chegava. Minha mãe chegou mesmo a cogitar uma consulta com o médico da cidade para investigar o caso, mas, não fomos adiante, pois, comecei a me acostumar e até a gostar dos ruídos. Eles ficaram mais frequentes e passaram a fazer sentido para mim. Algumas vezes eram melódicos e suaves, muitas vezes atonais e agressivos, no entanto, sempre intensos e profundos. De certa forma esses sons eram padronizados e se repetiam de tempos em tempos, quando iniciavam eu já vislumbrava toda a sequencia seguinte, até o final, normalmente seco e abrupto. No inicio vinham quando eu estava em silencio e distraído com alguma coisa ou, simplesmente divagando, depois apareciam em horas impróprias e até nas horas de concentração na escola.
Foram cerca de quatro anos ouvindo e tentando compreender aquilo, algumas vezes me sentindo frustrado por não saber de onde vinham, para que serviam e quais as consequências dos tais ruídos. Dos onze até os dezesseis anos, com as atribulações da adolescência, fase de maior concentração nos estudos e a socialização natural da idade, tudo havia sumido. Por mais que eu me concentrasse nada ouvia, a chave tinha se desligado e, sem prejuízo algum, estava ocupado demais para isso.
Um dia comecei a ler uma revista mensal, que trazia muitas matérias e entrevistas com músicos nacionais e internacionais, começando a me chamar atenção para o rock n' roll e suas vertentes. Entre as matérias e fotos sempre me chamavam a atenção a figura de um guitarrista negro e sua trajetória. O modo como tacava e cantava e a morte jovem aos vinte e sete anos. Eu não tinha acesso a discos, e no radio aquela música não tocava, sobretudo nas rádios am, que costumávamos ouvir.
Passaram se muitos meses até que em uma roda de amigos o assunto do tal guitarrista veio à tona, e os mais informados diziam já ter ouvido o músico e seus álbuns. Também surgiu entre nós, através do inúmeros "escambos" que fazíamos, um fita cassete com algumas gravações atribuídas à ele. Ainda não foi desta vez que comecei a relacionar os sons que eu ouvia em minha mente, no passado, com os sons de Jimi Hendrix. Mais tarde quando comecei a adquirir seus discos ou ouvi-los na casa de amigos, entendi que por algum misterioso imbróglio do tempo, alguns fragmentos de sua música chegavam até minha cabeça de uma forma quase mediúnica, por assim dizer. Muitas das introduções, finais, estribilhos, solos, etc. eu já conhecia, sabia como começavam e terminavam. "Spanish castle magic", "Purple haze", "Voodoo Child" e "Machine gun" eu praticamente conhecia de cor, outras eu já supunha e antecipava algumas partes em uníssono assoviando. Todos ficavam impressionados como eu já conhecia aquilo, eu apenas ria.
No fim tudo se tornou apenas uma grande admiração pela arte musical de um dos maiores gênios da música mundial, até hoje adoro sua música e tudo de que lhe diz respeito. Nunca soube explicar o fato, nem procurei muito pela solução.
É isso
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