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Generalidades com Especificidade

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terça-feira, 26 de julho de 2022

No chão, poeira


 Eu tinha por volta dos dez anos de idade, morávamos no interior, num lugar de uma beleza exuberante, num tempo muito feliz. As coisas eram diferentes mesmo na humildade da pobreza, era possível uma vida digna e alegre. Era um momento difícil para meus pais, mas, não era ainda nem a sombra do que passariam em anos posteriores. Por motivos de saúde de minha mãe que precisou fazer uma cirurgia em tempo curto, o casal teve que se deslocar para uma cidade distante, um outro município bem além do que vivíamos. Eu tinha mais alguns irmãos mas, os que não eram casados ainda, por algum motivo que não consigo lembrar, estiveram ausentes durante toda uma semana. Eu fiquei sozinho em uma casa enorme de alvenaria, um construção de mais de cem anos, que reformada em parte, era nossa casa. Ela era tão grande que demolida uma parte, com o material meu pai construiu um enorme celeiro para guardas as maquinas. A casa quando vazia era assustadora e fria, passei noites terríveis naquela semana.

O lugar um enorme sítio que meu pai havia comprado com empréstimos, se mostrou impróprio para o cultivo do arroz, ao qual meu pai tinha afinidade. Com o pouco rendimento em outras culturas, os recursos não foram suficientes para saldar as dívidas e a propriedade precisou ser entregue ao banco. Com o intuito de proporcionar melhores condições para a família, meus pais, aproveitando a hospitalização da minha mãe procuraram imaginar uma mudança para a cidade em que ela estava, e assim o fizeram em pouco tempo.

Não havia o que comer na casa, devido a saída intempestiva de meus pais, as provisões não foram compradas e, eu deveria ficar sob o cuidado de irmãos, que simplesmente sumiram, esperando que um cuidaria de mim, nenhum se preocupou que na verdade, eu ficara sozinho. Corajoso não cheguei a me assustar com isso, tinha a certeza que em algum momento em breve meu pai viria me buscar.

A propriedade era cruzada por um riacho de águas cristalinas, que represado para obter-se água para o arrozal, ficava bastante profundo em algumas partes. Numa tarde de muito calor, depois de comer laranjas e algumas bergamotas, fui nadar na represa, o que eu fazia costumeiramente. Da barragem se avistava a estrada de chão batido, que cruzando a ponte passava na frente da nossa casa e seguia em frente, para as serras da localidade, num caminho sinuoso de grandes subidas. Eu olhei para a tal estrada, separada de onde eu estava por uma nesga de campo de cerca mil metros, em linha reta e plana. Entre eu, a estrada e minha casa formava-se um triângulo imaginário. O trajeto de uma pessoa na estrada indo em direção a casa, seria a base do triangulo e, no meu ponto de vista, eu seria o vértice, a casa o outro angulo da base. Eu avistei uma pessoa, diminuta na distância, mas reconheci meu pai, caminhando rápido, com um leve coxear, sequela de uma acidente de trabalho. Imediatamente me dirigi correndo para casa, para o portão de entrada, onde cheguei junto com meu pai, eu e ele em lágrimas  demos um longo abraço, eu na ponta dos pés, recebi seu beijo e o roçar de seu bigode em minha testa.

Meu pai trouxe comida e bebida e, enquanto comíamos ele me disse, vou pegar todas as roupas de tua mãe que ficaram, pega todas as tuas arruma em uma maleta, ou bolsa, pega algum brinquedo pequeno, os demais ficam, nós vamos embora, ver tua mãe. Ela fez a cirurgia e está bem. Comemos, dormimos e, quando acordei bem cedo, meu pai escrevia um bilhete com instruções para meus irmãos que ficaram, (não sei onde), tomamos o expresso da serra por volta das sete da manhã, olhei pela última vez para a velha casa branca, pouco a pouco encoberta pela poeira que o veículo fazia. Para trás um passado de dificuldades para meus país, mas, de muita alegria também. Pra frente o futuro, o incerto e amedrontador futuro.

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