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Generalidades com Especificidade

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quarta-feira, 27 de junho de 2018

Sanguinho Novo - 1989 + As várias vidas de Arnaldo Baptista



Poucos artistas brasileiros tiveram tantas mortes e renascimentos artísticos quanto Arnaldo Baptista. Em 1973, depois dos Mutantes não conseguirem que a gravadora lançasse o álbum “O a e o Z”, Arnaldo que vinha usando LSD, se mandou do grupo e se isolou na serra da Cantareira no interior de São Paulo, completamente alucinado, com o intuito de construir uma nave espacial, tendo sido esta a sua primeira morte artística, desapareceu por um bom tempo. Renasce e retorna a atividade artística tentando seguir carreira de produtor musical, mas o insucesso o motiva a tentar carreira solo. Então, Lança ”Lóki?” (1974), considerado seu melhor trabalho, mas, acaba por morrer novamente e somente volta a renascer em 1977, quando forma um dos grandes grupos do rock do Brasil, “Patrulha do Espaço”, projeto que não duraria muito e, em 1978 deixa o grupo e volta a morrer.  Volta à vida em 1982 quando lançaSingin' Alone, um trabalho voltado para o rock progressivo, gravado em uma espécie de limbo artístico, em 1981. Nesse ano morre mais uma vez e é internado com forte depressão no Hospital do servidor Público de São Paulo, onde tenta o suicídio jogando-se pela janela, sofrendo traumatismo craniano. Sobre essa internação Arnaldo disse algum tempo depois: "depois que me internaram da primeira vez, qualquer motivo era razão para me internar novamente". Recuperado do “acidente”, Arnaldo Baptista renasce mais uma vez e grava em apenas dois canais, para o selo “Baratos afins” o álbum “Disco Voador” (1987). Uma gravação caseira, que não acontece. Arnaldo faz alguns shows e morre. Para levantar recursos, estimular e manter viva a arte de Arnaldo Batista, Carlos Eduardo “Gordo” Miranda e outros produtores produziram o álbum tributo "Sanguinho Novo - Arnaldo Baptista Revisitado" (1989), com bandas como SepulturaRatos de PorãoPaulo Miklos, Felinni, entre outros nomes. A elaboração do disco levou quase dois anos e conseguiu reunir 13 bandas. Cada uma apresenta sua forma pessoal  de ver o trabalho de Arnaldo. Algumas gravações extremamente felizes como “Dia 36” com o grupo “3 Hombres” que cometeu uma das melhores versões do tributo. A banda "Maria Angélica" também se deu bem com a linda “Te amo podes crer”. Outras participações foram  sofríveis como a dos “Ratos de Porão” e “Sepultura”, que em total dissintonia com a sutileza das composições de Arnaldo, cometeram verdadeiros escárnios musicais. O “DeFalla” também cometeria um destes ‘escárnios’, mas sua versão ultra erotizada para “Vou me afundar na lingerie” nem chegou a entrar no projeto final. As demais participações ajudam a salvar o trabalho, mas não o suficiente para trazer Arnaldo à vida novamente, apesar de traze-lo aos palcos em algumas apresentações do projeto. A volta de nosso herói somente ocorreria em 2004, quando John Ulhoa do “Pato Fu” gravou no sítio de Arnaldo, no interior de Juiz de Fora (MG), o álbum “Let it Bed”, que foi lançado como encarte da revista, “Outra Coisa”, editada por Lobão. O trabalho ganhou o prêmio Claro de Musica Independente de 2005 e foi considerado pela revista inglesa Mojo, como um dos 10 melhores daquele ano e finalmente Arnaldo Dias Batista veio ao mundo novamente. Excursiona, volta a tocar com os Mutantes em uma versão mais moderna, o álbum “O A e o Z” deles é relançado, deixa novamente o grupo por discordar da direção artística e comercial dada pelo irmão Sergio Dias. Volta a fazer shows, pinta telas e faz diversas exposições. Dá entrevista e segue trabalhando, com uma intensa agenda em 2018, como a apresentação de maio, "Sarau o Benedito?", na qual acompanhado de um piano, de suas obras como artistas plástico como cenário Arnaldo mostrou os clássicos "Cê Tá Pensando que Eu Sou Loki?", "Não Estou nem Aí", "Jesus Come Back to earth” e “Balada do Louco”, com estrondoso sucesso, na Caixa Cultural, em São Paulo.
Viva Arnaldo Baptista e suas muitas vidas!



segunda-feira, 25 de junho de 2018

Sergio Sampaio - Cruel



Quando o capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, Sergio Sampaio,  ficou conhecido nacionalmente após ter uma de suas músicas classificadas no II Festival Internacional da Canção – FIC  em 1972, ele tornou-se tão conhecido como qualquer um desses astros imediatistas de hoje em dia. Todas as casas tinham um compacto do festival com a canção “Eu quero é botar meu bloco na rua”, as crianças cantavam nas escolas e até nas festas paroquiais ela soava nos alto falantes, tornando-se assim a marchinha de carnaval mais tocada nos clubes e rádios durante algum tempo. Depois disso vieram outros discos, mas, nenhum repetiu o sucesso da canção emblemática e o astro caiu no esquecimento geral, sendo lembrado apenas por uma legião de seguidores, que cantavam suas canções e compravam seus discos. Sampaio havia caído numa região em que muitos artistas nacionais caíram, uma área de sombra que engoliu grandes talentos, colocando-os fora dos holofotes da mídia e conseqüentemente relegando-os aos quartos solitários dos audiófilos mais antenados. Foi assim com Walter Franco, Jards Macalé e Sergio  Dias Baptista. Cada um  com a parcela que cabia nessa punição, alguns sobrevivendo e outros sucumbindo. Até sua morte em  15 de maio de 1994, Sergio Sampaio esteve fadado ao esquecimento total, ao apagão e ao ostracismo a que são jogados os gênios incompreendidos.  De lá para cá algumas coisas mudaram, existem festivais que saúdam sua memória em vários pontos do país, como o Festival Sérgio Sampaio  que chegou a 12ª edição esse ano (2018),  movimentando a cena cultural do Centro de Vitória durante três dias, com shows, bate-papos e mostras diversas de sua arte. Erasmo Carlos, Zeca Baleiro e muitos outros artistas de renome finalmente começaram a gravar suas canções e seu nome voltou a crescer, de forma modesta, mas, caminhando para recolocá-lo no posto que merece no cenário histórico da musica popular brasileira.
Foi nesse caminho que o cantor e compositor Zeca Baleiro  retomou um projeto de 1993 do próprio Sampaio que, antes de sua morte estava ensaiando uma volta ao cenário, compondo e organizando um novo repertório, que seria lançado em forma de álbum pelo selo Paulista “Baratos Afins”. Projeto que ficou inacabado por conta de sua morte, no ano seguinte.  Quando Baleiro conheceu a ex-mulher de Sampaio, Ângela, e ganhou dela uma fita contendo músicas inéditas, ele começou a buscar por outras gravações inéditas e faz a recuperação dos respectivos áudios, material que foi então, lançado no CD “Cruel”, em 2006, que traz violão e voz original com Sérgio Sampaio, e arranjos de acompanhamento em pós produção trazendo diversos músicos que tinham afinidades com a música de Sergio Sampaio, como Itacyr Bocato Jr. O Bocato, trombonista e arranjador. O trabalho traz 14 canções que mostram o brilhantismo do compositor e sua bela voz, interpretando de forma maravilhosa e emocionante as suas novas pérolas.
Aos interessados, segue a discografia oficial de Sergio Sampaio em álbuns, existem compactos com duas canções que antecedem esses trabalhos.
Sociedade da Gran Ordem Cavernista Apresenta Sessão das Dez (com Raul Seixas, Miriam Batucada e Edy Star) – 1971
Eu quero é botar o meu bloco na rua – 1973
Tem que acontecer – 1976
Sinceramente – 1982
Cruel (póstumo) - 2006

quinta-feira, 14 de junho de 2018

K 1012


Conheci o Marco Porto por volta de 1981, quando voltava a pé seguindo  a calçada de chão batido, um trilho ainda, da Av. Nestor de Moura Jardim. Alguém chamou-me e um vulto me alcançou correndo e perguntou:
_Tu és o Chico, né? E então engatamos uma conversa sobre musica popular brasileira. No meio do caminho, Porto me convidou para um churrasco  para o qual estava se dirigindo, não foi uma grande festa e, sequer chegamos na hora mas, dali em diante nos tornamos muito amigos, deses que não desgrudam e que vão a todos os lugares juntos. Foram muitas cervejadas, carnavais e vagabundagens diversas.
O Porto, como o chamávamos foi um cara sensacional, piadista, sorridente, mexia com todo mundo e onde estava sempre era o centro das atenções, suas gargalhadas eram muito engraçadas. Também se deprimia as vezes, um dia o encontramos aos prantos, sem saber explicar por que chorava. Ficamos com ele a madrugada toda mas, nunca descobrimos o motivo do choro e também nunca mais tocamos no assunto. Sempre que estávamos juntos, as pessoas diziam que éramos muito parecidos fisicamente, apesar de que o Marco era mais moreno e o cabelo era bastante crespo mas, a cor dos nossos olhos eram bastante iguais e, sempre usamos isso em nossas galanteadas. O Marco tinha uma queda para bebida, algumas drogas e cigarro, tendo fumadomuito até os últimos dias de vida. 
Depois que casei em 1987, o Marco se afastou e passei alguns anos sem vê-lo mas, sempre que eu tinha oportunidade o procurava. Foi assim que levei o meu filho já grandinho para conhece-lo e, durante o passar dos anos o visitava em algum lugar, sempre parecia a mesma coisa, nunca mudava. Recentemente após um hiato de cerca de vinte anos, o procurei em sua casa, ainda estava bem, tomamos cerveja e conversamos muito, como sempre sobre música e política em geral. Marco me presenteou com um cd de João Bosco, o "Caça a Raposa" de 1975, em retribuição a uma foto dele com outros amigos que le levei de presente. A foto havia sido postada em uma página de rede social que ele não acessava, ele ficou muito contente. Outro dia, algumas semanas antes de sua morte o encontrei bem diferente, acamado, sem ãnimo e bastante entristecido, a ponto de não desejar que eu ficasse para conversar. Perguntei a ele se gostaria que eu fosse embora? Ele não respondeu mas, eu senti que ele queria ficar sozinho. Nesse dia, mesmo desanimado conversamos sobre filmes e, mais uma vez Marco me presenteou, com o dvd do filme "Inferno no Pacífico", de John Boorman. Recentemente recebi a otícia de sua morte, tardiamente, não fui a seu enterro mas, ontem fui até seu túmulo para fazer uma oração e me despedir. 
Descanse em paz, caro amigo.