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Generalidades com Especificidade

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terça-feira, 23 de abril de 2024

O Ciclomotor do Getúlio

 


Por volta de 1975, eu fiz amizade com um grupo de rapazes, pouco mais velhos do que eu. Dentre estes novos amigos havia um grupo de irmãos de uma família bastante numerosa da cidade. Somente dos que andavam juntos, eram quatro: Alcides, Chacrinha, Getulio e Nêgo. Getúlio o mais arredio, havia passado, nessa época, um período em uma clínica de saúde mental, por conta de certos abusos e encrenca com a lei. Tendo retornado disposto a se enquadrar na sociedade novamente, afastou-se um pouco dos demais, que eram uma turminha da pesada. Nada muito sério, mas, pra quem pretendia se ajustar, não era a companhia ideal.

Getúlio adquiriu um ciclomotor muito em moda na época, era um veículo que ficava entre uma motocicleta e uma bicicleta, alguns chamavam de "bicicleta a motor", era um bom veículo para se deslocar nas cidades, uma motoneta da marca "Motovi".

Uma tarde de sábado de céu nublado e chuvisqueiro de inverno, passados diversos dias de chuvas persistentes no estado, Alcides e eu nos encontramos no centro da cidade, perambulamos, entramos em alguns bares, jogamos sinuca, conversamos e chegamos à conclusão de que deveríamos fazer alguma coisa mais movimentada para passar o dia. Alcides relatou que Getúlio tinha ido a uma cidade vizinha, dista cerca de 30 km. para visitar uma tia e de que ficaria o resto do final de semana por lá. Como o tempo era instável, Getúlio resolveu ir no ônibus da linha. Resolvemos "tomar emprestada" a Motovi do irmão para vadiar pelas redondezas, o que fizemos, mesmo sabendo que o tempo estava ruim.

Não havia muitas opções de lugares para ir, rumamos para a orla do lago, na praia da Alegria, mas, quando estávamos chegando perto, desabou um temporal muito forte, exigindo que nos abrigássemos em algum lugar, o que fizemos. Paramos em um bar que existia na esquina das ruas Inácio de Quadros com a rua São Geraldo, a rua principal que corta a cidade, levando em direção ao tal município vizinho. A chuva não dava tréguas e nos entretemos tomando vinho e jogando sinuca. Numa dessas, Alcides veio desesperado dizendo que vira o Getúlio passar no ônibus, voltando da visita à tia, por certo ele não a encontrou e estava retornando, simples, uma viagem de pouco mais de meia hora.

Precisávamos de qualquer maneira, devolver o ciclomotor ã casa dos irmãos antes que Getúlio lá chegasse. A chuva diminuiu para um chuvisqueiro bem fino, uma garoa, permitindo que atalhando por dentro do Bairro, subindo à íngreme Inácio de Quadros, com um pouco de sorte chegaríamos antes do irmão, que faria uma longa volta, teria que descer nas imediações da casa da família e empreender uma caminhada de várias quadras para chegar.

Embarcamos no ciclomotor, alinhamos e em alta aceleração, nos dirigimos rua à cima, esperando alguma dificuldade, pois, a rua não era pavimentada, e o lamaçal era muito grande, também sulcos feitos pela chuva tornavam a subida até mesmo perigosa. No meio da lombada, o ciclomotor não deu vencimento e tivemos que descer e empurrar. O chão escorregadio fazia com que não pudéssemos ter apoio para empurrar o veículo e por diversas vezes caímos na lama vermelha, sujando roupas e o próprio ciclomotor. A essa altura estava tudo enlameado, as rodas da motinha estavam grossas de barro. Depois de muito tentar e com a ajuda de um popular e uma corda, vencemos a lombada. Atravessamos o bairro todo, chegando na casa dos irmãos. Conferido que ele não havia chegado, começamos a lavar e limpar o ciclomotor, numa tarefa difícil, pois, a lama grudava em tudo e não podia ficar nenhum vestígio.

Já se passara mais de uma hora desde que chegamos e nem sinal do Getulio e, nós estávamos imundos, as roupas de passeio pareciam saídas de um filme de guerra, mas, a Motovi estava perfeita, fizemos um bom serviço. Fomos nos lavar, eu peguei roupas do Alcides para vestir e aguardar o retorno do mano, para ver o que se sucederia e de como manteríamos a farsa. Para isso nos munimos de um bom chimarrão e ficamos aguardando, o sol ia se pondo e a chuva persistia, nesse momento já estávamos rindo da situação, Getulio nada perceberia.

A noite chegou, Getulio não apareceu, chegamos à conclusão de que Alcides havia se enganado, o rapaz que ele vira na janela do ônibus não era o irmão, por certo era alguém parecido, avistado de longe num dia nublado e chuvoso a uma distância razoável.

Enfim, depois de proferirmos alguns palavrões, a maioria dirigida a nos mesmos, já perdida à tarde de sábado nos concentramos em achar o que fazer no resto da noite que se iniciava, com mais uma história em nossa bagagem. História esta que ficou guardada até esta publicação, infelizmente Alcides e Getúlio não estão mais vivos, também nos anos seguintes ao ocorrido, nos distanciamos e nunca mais nos vimos. Passados quase cinqüenta anos, resolvi escrever a respeito.

 


terça-feira, 2 de abril de 2024

Aviso aos Navegantes

 







Meus antepassados, sobretudo por parte da família de meu paí eram navegadores. Meu avô Sebastião Freitas era construtor naval e marceneiro de excelência, assim como seu pai e provavelmente seu avô também trabalhava nessa atividade. Sebastião era profundo conhecedor da lagoa dos Patos, e tinha guardadas para consulta as cartas náuticas do nosso "Mar de Dentro" como é conhecida a referida lagoa.

Meu pai, João Freitas não era pescador, trabalhava como arrozeiro mas era muito bom velejador e construía barcos de madeira, carpinteiro e marceneiro que era. Onde morava sempre tinha por perto uma embarcação para as horas de lazer. Uma vez trabalhou meses na restauração de um lindo barco mas, por contingencias da vida, teve que se desfazer do projeto, vendendo-o para um conhecido. Meu irmão mais velho, João Gilberto também construia barcos, tendo construído um grande veleiro de mais de 10 metros com acomodações a bordo, preparado para grandes navegações, inclusive no mar. Em uma visita da antiga revista "Velas" na sua oficina, ficaram impressionados com o projeto e a construção do veleiro, realizando extensa matéria a respeito. Por essas circunstâncias da vida e suas fatalidades, quis o destino que ele nunca usufruísse do seu sonho navegante, tendo falecido muito jovem, aos 49 anos de idade. Sua esposa desesperançada acabou por vender o veleiro.

A foto que ilustra o post mostra, por volta de 1962, meu pai eu (junto a ele) e meus irmãos no pequeno veleiro que nos acompanhou por muito tempo, chamado "Calypso" em homenagem ao tipo de música que meu irmão Gilberto gostava ou, ao navio do oceanólogo francês Jacques Custeou, não lembro ao certo. O pequeno veleiro nos acompanhou em mudança, da localidade de Tapes para Santa Vitoria do Palmar, onde navegou por muitos anos na lagoa Mangueira, vezes por outra atravessando-a até a praia do Hermenegildo, localizada na outra margem.

A segunda foto, é o caique "Dunga" de um vizinho, que meu pai costumava usar no final dos anos 70. Ele ficava assim, ancorado e disponível para quem quisesse usá-lo. Pertencia a um senhor chamado Izael, morador do bairro, em Guaiba.

Fica o registro.