Eu passeava por uma rua de
terra margeada por uma fileira de velhões casarões coloniais, todas em péssimo
estado de conservação. Nessa série de habitações, um lote vazio cercado por
alguns fios de arame farpado me chamou a atenção. Dentro dele uma mulher
parecia fazer algum trabalho manual, talvez, reparando a tal cerca, virando-se
eu vi que era minha mãe. Perguntei-lhe o que estava fazendo naquele lugar, ela
disse que estava fazendo o que aprendera e, auxiliava a quem precisasse.
O local era muito bonito,
apesar de ter ares de abandono, a única coisa viva ali era a grama rarefeita
sobre o solo ressequido e as mãos hábeis de minha mãe, e ela própria. Minha mãe
me convidou a entrar, só então notei que meus pés pisoteavam algum lugar úmido,
minhas pegadas deixavam afundado o lugar onde eu pisava, a sensação era boa, eu
olhava para trás e percebia essa umidade, que fazia um contraponto com a aridez
de algumas partes e, que eu havia percebido primeiramente. A presença de minha
mãe era muito agradável e uma brisa fresca e refrescante soprava em nossos
rostos, ela então apontou para o que seria o fundo do tal terreno, ou lote, e
eu percebi que era um lugar muito alto e que lá embaixo vicejava uma planície
muito verde, exuberante, onde um céu muito azul com nuvens muito brancas em
movimento se fundia com o horizonte montanhoso, muito longe, a perder de vista.
Desci por um talude muito alinhado e fácil de vencer o declive e, lá debaixo
pude avistar todas as casas pela parte dos fundos e minha mãe que parada com as
mãos para trás me observava. Comentei em voz alta para que ela ouvisse que o
talude era muito bem feito e aprumado e tinha sinais de que tinha sido feito
com uma máquina apropriada para a tarefa, mas, ela nada respondeu e continuou a
me olhar, seus cabelos negros e ondulados dançavam ao vento, ela estava mais
bonita do que nunca, pude perceber, e isso me deixou contente. Olhando para
frente no nível inferior vi que tinha uma espécie de charco, com muitos
aguapés, alguns muito floridos com flores brancas, de uma alvura que chegava a
cegar, eram tantos aguapés que era impossível ver a água sob eles. De repente
vindo da direção desses aguapés, uma música muito linda e agradável começou a
tocar. Impossível descrevê-la, mas eram instrumentos de sopro que eram mimetizados
pelas folhas dos aguapés, cada posição que as folhas tomavam emitia uma nota
diferente, as mais verticais e enroladas davam notas agudas e afinadas, outras
mais encorpadas eram notas graves e davam a base para a belíssima melodia. O
farfalhar de alguns ramos secos produziam um barítono crescente que se fundia
em notas angelicais ao fazerem contraponto com o movimento que o vento causava
ao mover as flores e, uma arvore muito frondosa ao longe parecia reger aquela
orquestra, como num desenho animado de uma alegoria do “Looney Tunes”. Parecia
que eu não a ouvia com os ouvidos, pois, eu sentia com a alma, com o mais
profundo de meus sentimentos, e desejava que minha mãe também a estivesse
ouvindo, mas, não podia averiguar isso, pois nesse momento eu não mais a
avistava, pois, havia fugido do meu ponto de observação devido ao movimento que
fiz me deslocando mais para frente e, agora tentando subir pelo aclive. A
música era tão bonita que a vontade que eu tive era de chorar de felicidade, e olhando
para cima expressei isso para minha mãe, ela nada disse e a música subitamente
cessou, eu já estava junto de mamãe, ela me acolheu em seus braços, pude sentir
seu calor, a mesma sensação que eu tinha quando era pequeno, tinha frio e ela
me acolhia em seu colo. Eu havia esquecido essa sensação agradável,
verdadeiramente de como era, agora não esqueço mais. Abraçado nela, e
firmemente rodeado por seus braços eu pedi-lhe que aguardássemos assim até que
a música voltasse, pois eu queria que ela ouvisse também. Minha cabeça colada a
sua barriga, pude sentir a vibração de seu corpo, mas nos afastamos, pois no
silencio que se fez eu temi que a tivesse chateando com minhas divagações e
talvez a música nem tivesse existido e, fosse apenas um sonho dentro daquele
sonho.
Agora parecia que o dia se
desfazia e uma penumbra ia tomando conta de tudo, as cores iam se suavizando,
um crepúsculo maravilhoso tomava corpo, eu estava sozinho. Olhando para o vale
lá embaixo, tive a sensação de que lá o tempo se escondia, e que de alguma
forma me foi concedido à possibilidade de visitar o passado e podido vislumbrar
um pouco do futuro, mas esse último eu me esqueci de como foi. Então eu esperei
para ouvir novamente a música dos aguapés e ela não tocou, restou, porém, uma
sensação muito boa de ter compartilhado uns poucos momentos com minha mãe.
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