Quando morou na Alemanha
entre 1976 a 1979, David Bowie produziu álbuns experimentais e revolucionários que ficaram conhecidos como “A trilogia de Berlim”: “Low (1977), “Heroes”
(1977) e “Lodger” (1979), todos com a colaboração do músico e produtor Brian
Eno, mago da estética eletrônica que começava a vicejar com força, primeiramente
na Alemanha a partir de Berlim e, em seguida se alastrando pelo mundo todo.
Cabe salientar que a exatidão do apelido
de "Trilogia de Berlim" é debatido, pois apenas "Heroes"
foi totalmente gravado em Berlim, nenhuma das faixas de Lodger foram
sequer gravadas na Alemanha (apenas na Suíça e em Nova Iorque),
mesmo assim, o termo foi utilizado de forma recorrente pelo próprio Bowie para
descrever os álbuns. Temas profundamente enraizados no período de vida que Bowie
vivia, como o uso rotineiro de drogas permeiam o primeiro álbum, o segundo e terceiro
são mais leves mas, trazem as mesmas questões filosóficas existenciais que
acompanharam o artista até o fim da vida. Instrumentais impecáveis e que apontam
para diversas direções nortearam boa parte da música mundial a partir de
então. Mesmo que esses trabalhos não sejam a produção mais popular de David
Bowie, como elas viria a se tornar a partir dos anos oitenta, Bowie atravessou a
década posterior com estrondoso sucesso em maravilhosas e longas tours,
apontando sempre novos caminhos e descobrindo novos artistas para o mundo, como
o caso do guitarrista Steve Ray Vaughan, que ganhou as rádios e TVs na música “Let’s
Dance” do álbum homônimo de 1983, do qual participou, depois que Bowie o
conheceu no festival de Montreaux algum tempo antes.
Seis álbuns depois da
célebre trilogia, Bowie retornou ao tema. Após encontrar o amigo Brian Eno em
uma festa de casamento, tiveram a idéia de voltar a produzir juntos, na mesma
direção do que haviam feito em Berlim. Com o subtítulo "The Nathan Adler
Diaries: A Hyper-cycle", “Outside” se centra nos personagens de
um mundo distópico às vésperas do século XXI. Bowie e Eno visitaram o hospital
psiquiátrico Gugging, próximo a Viena, na Áustria, no início de 1994 e entrevistaram e fotografaram pacientes artistas. Bowie e Eno levaram um
pouco dessa arte consigo para o estúdio, enquanto trabalhavam juntos em
março de 1994, criando uma peça sonora de três horas que era majoritariamente
composta por diálogos, depois esse material foi editado e produzido de forma a
ser contido em um álbum com tempo viável para comercialização.
O álbum “Outside” faz parte do material menos conhecido de
David Bowie, se manteve assim durante todo esse tempo, como vendagens fracas e
relegado ao escaninho mais obscuro do artista mas, tem especial apreço dos verdadeiros
admiradores de sua música e é da mesma forma cultuado como os da trilogia dos
anos setenta. A música de Bowie não é material de fácil absorção e, por apontar
para universos diversos não faz parte do culto comum ao mundo do rock and roll,
está acima de qualquer clichê destes que vem se repetindo desde os anos cinqüenta,
baseados no blues e demais segmentos da música negra Americana. Bowie construiu
sua própria música, uma colcha de retalhos que absorveu experiências de todas as
vertentes, desaguando em um mar infindo de possibilidades que somente ele sobe
dar forma. Mesmo que em alguns casos essa forma seja difícil de reconhecer. Com
“Outside” Bowie pretendia como disse em uma entrevista, dar uma vida longa a
esse trabalho, observando
que o álbum foi feito como um reflexo da ansiedade dos cinco últimos anos do
milênio: (1995 a 2000)
“No geral, o objetivo a
longo-prazo é o de fazer uma série de álbuns que vão até 1999 - e tentar
capturar, usando esse artifício, como se sentem os últimos cinco anos do
milênio. É um diário dentro de outro. A narrativa e as estórias não são o
conteúdo - o conteúdo é o espaço entre os pedaços lineares. As texturas
enjoadas e estranhas... Ah, eu tenho as esperanças mais amáveis para o fim de século. Eu o vejo como um rito de
sacrifício simbólico. Eu o vejo como um desvio, um desejo pagão de satisfazer
os deuses, para que possamos seguir em frente. Há uma verdadeira fome
espiritual lá fora sendo preenchida por essas mutações do que mal é lembrado
como rito e ritual. Tomar o lugar deixado por uma igreja não-autoritária. Temos
esse botão de pânico nos falando que haverá uma loucura colossal no fim deste
século”
Bowie não levou a cabo suas idéias, mesmo assim produziu mais
seis grandes trabalhos até o dia de sua morte em 10 de janeiro de 2016, em Nova
Yorque.