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Generalidades com Especificidade

Generalidades com Especificidade

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O Tempo Passa


A medida que avançamos ao longo do caminho da existência, nos deparamos com sensações que nunca tivemos, vivências nunca experimentadas e sentimentos nunca atravessados. O crescimento de um filho, o envelhecimento de irmãos e dos pais, objetos que se desgastam no decorrer do seu uso, nada disso me colocou de frente com o passar dos tempos como uma situação que vivi  no ano de 2007.
Por diversas situações da vida, deixei de ir a casa de um grande amigo, mais precisamente no seu quarto durante cerca de 25 anos,. Quando lá estive pela última vez pude perceber o esmero com que seu quarto era cuidado, tanto por ele quanto por sua mãe: A colcha de veludo verde, seus móveis em madeira maciça, uma velha eletrola dessas de móvel, quadros na parede, fotos nos aparadores, discos e livros na estante, roupas no roupeiro, etc. Tudo impecavelmente arrumado e distribuído de forma simétrica,  bem pensado, respeitando espaços, tamanhos, cores e tipos. Tudo era muito novo, pois ele e sua família haviam se mudado para essa casa a pouco tempo, e muito das roupas de cama, cortinas e móveis eram novos e brilhantes. Um dia visitando-o, seus pais já haviam partido, fui convidado como nos velhos tempos para escutarmos música em seu quarto, que era o seu pequeno mundo, eis que me assombro ao chegar na porta. Pronto para adentrar no recinto, até então nada havia me ocorrido, não sou saudosista e entrar novamente nesse local nada tinha de espetacular. Mas a sensação que tive, e que não posso explicar pois os sentimentos não se explicam, foi de certa forma admirável: Tudo o que enumerei antes, de seu objetos e que vi da última vez que ali estive, estavam ali. A jaqueta jeans pendurada no mesmo local inclusive. Mas tudo com um detalhe, que não poderia ser diferente após mais de vinte anos: Tudo estava velho, opaco, sem vida e com grandes sinais de uso e desgaste do tempo. A colcha verde de veludo sobre a sua cama, havia perdido aquela maciez do tecido e a cor era apenas um arremedo do que foi um dia. A sua jaqueta jeans pendurada em um gancho próprio para roupas era a mesma, mais agora estava desbotada, em vez do brim azul denin escuro de antes, estava com um aspecto claro, um azul celeste não menos belo que o azul escuro original. O tapete no chão com uma gravura de um felino, antes viva e colorida estava desbotada e puída. Os móveis, os discos, fotos, posters, quadros e demais objetos eram exatamente os mesmo de tantos anos atrás, porém traziam em si  a marca indelével do tempo,  a certeza de que tudo sucumbe e se dobra a ele. Vistos assim no conjunto, esses objetos que citei eram como duas fotografias: Uma a da lembrança que eu tinha e outra a real, do momento. Nesse djavu que por segundo vivi, pude experimentar de forma única o passar dos anos e abraçando meu velho amigo chorei, pois ele ainda era mesma pessoa de tanto tempo atrás, trazendo é claro as mesmas marcas que eu e todo aqueles objetos em nossa volta traziam, vi que ele compreendeu tudo, sensível que era. Tempo, senhor dos destinos.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Louva-a-Deus


Quando criança, desenvolvi não sei como, um medo terrível do inseto conhecido como Louva-a Deus, um inseto grande, verde e de pernas compridas com uma cabeça triangular diminuta e olhos pequenos e assustadores. Na verdade um inseto inofensivo eu viria a saber mais tarde. As noites de verão em que apareciam esses insetos na minha casa eram verdadeiras noites de terror, mas eu as vivenciava sozinho, sem comentar com meus pais. Uma noite com a luz acesa, um grande deles que estava agarrado ao forro pulou e voou em direção ao meu rosto, com a velocidade de uma raio saltei longe da cama  me desviando a tempo e conseguindo na mesma sequencia, esmagar o monstro com vigorosa pancada com o livro Eram os Deuses Astronautas de Erich Von Daniken ao qual eu estava lendo.
Mas a noite mais terrível que passei foi sem dúvida uma em que após meses sem ver um Louva-a-Deus entrei em meu quarto, acendi a luz e deitei-me, quando entrou pela veneziana um enorme Louva-a-Deus e pousou exatamente sobre a maçaneta da porta, impedindo qualquer tentativa minha de fuga. A janela era muito alta na rua e eu não poderia pular, espantar o monstro alado não me ocorria, visto que isso poderia embravece-lo e fazer com que saltasse sobre minha pequena pessoa. O jeito foi me recostar na cama e ficar folheando livros até que ele resolvesse sair dali, ou resolvesse sair pela janela, que deixei semi-aberta, rezando para que outro não entrasse. Quanto mais a noite enveredava madrugada adentro mais medo eu sentia e um terror  tomava conta de mim. Imaginei ele voando sobre meu rosto, perfurando meus olhos e injetando seu terrível, nefasto e mortal veneno, acabando ali mesmo com minha preciosa vida. Tantos filmes ainda não vistos, livros que jamais eu leria, brincadeiras que nunca mais eu participaria. Não viveria para ter coragem de contar a Aninha o quanto eu gostava dela, e imaginar a pretinha junto com outro guri me assustava tanto quanto o Louva-a-Deus. Absorto eu meus delírios de medo nem notei que o bicho havia se movimentado em torno da maçaneta e agora pendia de cabeça para baixo, como se quisesse me dizer que estava de olho em todos os meus movimentos. Pensei em atirar um livro nele, abafá-lo com o lençol ou um travesseiro, mas o medo me deixava estático, sem ação nenhuma, nem ler mais eu conseguia, apenas fitava-o. Pensei em fazer barulhos, apagar e acender a luz de cabeceira, mas tudo me parecia perigoso, qualquer movimento meu e a fera pularia para terminar o que teria vindo fazer: Eliminar mais um ser humano. Quantos já teria matado essa semana? O vizinho que morreu subitamente na noite anterior, ninguém disse nada, mas poderia perfeitamente ter sido obra do Louva-a-Deus. E aquela senhora gorda do final da rua, que no més passado gritou durante dias de dor, finalmente morrendo sem que ninguém soubesse do que ela morrera? - Com certeza haveria de ter sido picada pelo Louva-a-Deus e sucumbido a peçonha fatal do esverdeado assassino. E agora aqui estou eu insone e a mercê do vil algoz, vivendo os últimos instantes de minha existência, a última madrugada da minha breve passagem sobre a terra, lar do inclemente Louva-a-Deus. Tive um breve cochilo e sobressaltei apavorado percebendo que a maçaneta da porta girava e o inseto medonho ficava novamente por cima dela, assumindo definitivamente a posição de ataque, eriçando as pernas serrilhadas e então... a porta se abriu de súbito e através da fresta o rosto lívido, e amoroso de minha mãe apareceu, enquanto o Louva-a-Deus era prensado de encontro a parede e caia estonteado ao chão.
_Problemas para dormir filho? - Quer alguma coisa?
_N..n..não! Balbuciei olhando m direção ao inseto no chão.
_Humm! Sei estás com medo do bichinho né?
Enquanto isso o Louva-a-Deus girou sobre seu próprio corpo e zumbindo precipitou-se em direção a minha cama, gelei, morreria ali em frente minha querida mãe, covardemente, imóvel picado pelo inseto ferido e mais mortal ainda, agora que estava ferido. Fechei os olhos e não vi a ação seguinte, quando Rex nosso gato grande e cinzento catou-o em pleno voo e devorou-lhe com uma só mordida a cabeça, movimento contínuo passou a devorar-lhe o corpo, os membros que estalavam e eram moídos pelas mandíbulas poderosas do felino, que após a refeição e de ter me salvo do monstrengo, pulou e deitou-se aos meus pés na cama lambendo as patas e me olhando vez por outra com o seu olhar protetor. Minha mãe a tudo presenciou em silencio, mas com um leve sorriso nos lábios, ajeitou o lençol sobre mim perguntando:
_Quer que eu leve o Rex para fora?
_Não. Pode deixá-lo comigo, acho que ele me protege como a senhora.
_Dorme estimado - Disse minha mãe beijando me na testa, até hoje sinto o calor e a ternura daquele beijo, depois disso nunca mais tive medo do Louva-a-Deus.