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Generalidades com Especificidade

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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Constante & Olvina


O casal mais incrível que conheci foi "seu" Constante e Dona Olvina, velhos conhecidos de meus pais e que tinham um profundo e recíproco respeito, pessoas verdadeiras dessas que raramente se encontra hoje em dia.
Eu tinha cerca de cinco anos de idade quando me conscientizei da presença daquelas pessoas, primeiro Dona Olvina, depois Seu Constante.
Dona Olvina era muito brincalhona comigo e me chamava de "Xixico", o que me deixava muito irritado, mas logo eu era acalmado recebendo uma bela cenoura para roer, as deliciosas cenouras produzidas na propriedade deles.
Dona Olvina era uma mulher de muita fé, e freqüentadora da igreja evangélica desde menina, rezava muito e a todos desejava bons agouros. Seu Constante era um homem trabalhador e muito honesto, mas era um alcoolista irredutível e vez por outra causava constrangimentos a Dona Olivina, que sempre achava uma desculpa para perdoá-lo, pois o amava demais como esposo e homem. Eles eram muito diferentes fisicamente, pois ela era gorda e baixinha e ele muito magro e bastante alto. Era de origem polonesa Seu Constante, um "polaco" como se diz, mas apesar da origem, as inúmeras horas que passava ao sol nas lides agrícolas conferiram a ele uma pele morena, vincada e castigada pelo tempo. Apesar do vício da bebida e do fumo, Seu Constante era um homem de uma alma extremamente bondosa e de um carinho no trato com as pessoas que impressionava a todos, sempre recebendo a todos com um largo sorriso em sua boca desdentada, de onde se sobressaia um único dente, que marcava seu lábio inferior. Ele era mestre em construir casas de "leivas" que são nacos retirados do chão em forma de grandes tijolos que são amontoados em uma espécie de "alvenaria" sendo possível construir uma habitação bastante fresca no verão e quente no inverno. Nos últimos anos que convivemos, o casal construiu uma dessas na propriedade de meu pai em Passo Grande interior de Tapes, ficava localizada longe de nossa casa, no pé de uma colina, próxima a um banhado, onde ele fez um bonito lugar para morar. O rancho que construíram dessa forma era bastante amplo, com quarto, sala e cozinha, era coberto de palha e o assoalho era de chão batido, que muito bem varrido e limpo por Dona Olvina, parecia um piso de cimento. Eram um casal acostumados as agruras da vida e desenvolveram mecanismos de sobrevivência que para nós hoje seriam considerados bizarros: Como consumir carne de diversos animais selvagens como lagarto, gambá entre outros. Tive a oportunidade de comer gambá proparado por eles e digo que foi uma das melhores e mais exóticas carnes que já provei. Minha mãe sempre recebia com carinho os produtos animais que eles nos ofereciam, mas depois dispensava-os não era afeita a carnes de caça. Os bolinhos de arroz que Dona Olvina fazia eram muito bons também, com um tempero a base de ervas que era o fino. Uma certa vez no aniversário de Seu Constante, eles receberam a visita de pessoas da igreja de Dona Olvina que sempre tentavam converter o velho Constante, e nesse dia eles tocaram muitos hinos com uma pequena banda formada por banjo, acordeon e violão ao qual eu achei espetacular. Nesse dia seu Constante tomou uma grande bebedeira, bebendo de uma garrafa que tinha escondido em casa, causando um grande constrangimento a Dona Olvina, que ficou muito envergonhada.
Certa vez Seu Constante trabalhando no mato deu um grande corte em seu pé, com o machado e que quase lhe amputou o membro, foi muito triste ver seu Constante com o rosto crispado de dor aguardando a chegada de um vizinho de carro para levá-lo para o hospital, nesse dia eu nada falei apenas o observei, pedindo a Deus que ele ficasse bom, o que na verdade aconteceu.
Com os ventos negros de mudança que começaram a ocorrer no início dos anos setenta em minha família, separamo-nos daquele casal, mas nunca os esquecemos e até os últimos anos de vida de minha mãe, ela sempre se referiu a eles com muito carinho e consideração. Nunca mais os ví, mas passados quarenta e tantos anos ainda lembro com detalhes de Seu Constante e Dona Olvina, a mulher que me pegava no colo e me dava muito carinho, nunca esquecerei o seu doce cheiro de ervas e temperos que exalava. Acredito que os dois já tenham morrido e onde quer que estejam, agradeço, por te-los conhecidos e convivido com eles mesmo que por poucos anos, mas que ficaram marcados de forma indelével e minha vida. E ofereço esse pequeno texto em sua homenagem.

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