As primeiras gaivotas do dia fazendo
enorme alarido sobrevoaram e pousarem na praia, catando seus mariscos na brisa
gelada da manhã. A areia já refletia os raios do sol outonal e o cheiro
agradável de um oceano limpo chegava até as narinas. Hans abriu os braços
espreguiçando-se, depois entrelaçando os dedos atrás da nuca forçou a cabeça
para frente em uma espécie de
alongamento, bocejou passando a mão pelos cabelos ralos enquanto o sol surgia
atrás de uma nuvem tropical. Caminhou uns dez passos em direção ao mar, parou e
girou 180 graus olhando para o lugar de onde acabara de sair, os pés enterrados
na areia, fazia movimentos com os dedos sentindo a aspereza dos grânulos a massagearem
seus calos. Levantou os óculos acima das sobrancelhas, uma mão coçando a barba
por fazer e a outra apoiando o antebraço na altura do cotovelo. O Antúrium,
lia-se na tosca placa de madeira sustentada por duas enferrujadas
correntes de ferro, que pendiam do
esteio que sustentava toda uma área aberta da enorme construção de madeira a
sua frente. A esquerda da entrada em outra placa, essa escrita com giz de cera
podia-se ler com alguma dificuldade nos garranchos mal desenhados: “Fechado até
a próxima temporada”.
Hans se lembrou das agitadas
noites da temporada no Antúrium, quando a musica alta e as risadas tomavam
conta do ambiente. Lindas mulheres dançavam e divertiam-se sob o efeito do
absinto e da magia das salsas e merengues tocados com entusiasmo pela orquestra
de Manolito de la
Trinidad. Sorriu ao pensar nos amores tórridos do verão, e das mulheres que tivera em sua cama no andar
de cima do Antúrium, após o término dos trabalhos nas longas madrugadas
festivas. Mais a cima à esquerda em uma espécie de promontório, ladeado por
centenárias palmeiras, e cercado por enormes muradas de pedra, era possível ver
com clareza o solar dos Castelanzza e seu belo terraço, onde passou momentos de
muito prazer, ouvindo música, dançando e divertindo-se junto aos proprietários
e seu seleto grupo de amigos. As noites no solar dos Castelanzza jamais saiam
de sua mente, a música, os jogos, a comida e a bebida farta e a alegria, essas
sim não faltavam nunca. Era amado por essa família, não apenas por sua
descendência nobre, mas também pelo excelente ópio que costumava presentear aos
anfitriões, ópio Chinês que lhe chegava em remessas regulares vindo através do
mediterrâneo numa rota exclusiva para a ilha, fora de qualquer linha de
investigação. O clima quente da ilha era propício, aos que podiam pagar por
bons momentos nos paraísos artificiais, os Castelanzza a tudo podiam e Hans
aproveitava a vida dessa forma, consumindo e sendo consumido nesse redemoinho
de prazer. Olhou mais uma vez para o Antúrium, precisava de reformas pensou,
enquanto virava-se novamente e corria para praia. Como de costume primeiro
molhou os pés, depois abaixou-se e com as duas mãos em concha pegou uma porção
de água que passou no rosto deixando escorrer pelo peito bronzeado, Correu para
dentro d’água por uns metros, quando não pode mais, levantou os braços unindo
os polegares com as mãos estendidas para frente e mergulhou vigorosamente nas
águas tépidas do Caribe. Foi fundo sentindo cada milímetro de pele em contato
com o mar, quando sentiu a areia fina do
fundo, posicionou os pés e flexionando as penas impulsionou-se para cima e para
fora d’água. À medida que emergia o verde daquele líquido tornava-se mais claro
e brilhante até que viu a luz. Respirou fundo tomando ar, passou as mãos pelo
rosto e cabeça tirando o excesso d’água salgada, pode visualizar o bonito
contorno de Grapetree Bay. As ainda poucas construções onde se incluíam o
Antúrium e o solar dos Castelazza estavam em destaque a sua frente, mas esse
último era sobrepujado pelo belíssimo resort do Countessa’s Castle mais acima
na colina verdejante. Amanha atravessaria St. Croix para buscar uns peixes no
outro lado da ilha, iria a pé vencendo os pouco mais de um quilometro e meio,
para tomar alguns martínis no iate clube observando as lindas turistas
Francesas. A noite haveria a última festa da temporada no solar dos Castelanzza,
quem sabe não viria acompanhado. A vida sorria para Hans Venizélos, um grego
nos trópicos.